Ex-dirigentes do Chega arrasam liderança no distrito de Setúbal

Dois ex-dirigentes do Chega arrasam a liderança da distrital e contam as “causas perdidas” que os afastou do partido. Afirmam que também na região há “um discurso racista”, atropelo aos estatutos e uma gestão de “compadrio”.

Atropelo aos estatutos, contas duvidosas, sonegação de informação e uma gestão de “quero, posso e mando” são algumas das acusações lançadas ao presidente da distrital do Chega, Luís Maurício, por dois ex-dirigentes que estiveram na origem da fundação do partido em Setúbal, Carina Deus e Bento Martins.

Ambos dizem ter sido atraídos para algumas das causas então propaladas pelo partido de André Ventura, mesmo antes da sua fundação, decorria o ano de 2018. “Vi um feed nas redes sociais contra a corrupção e entusiasmei-me, ao ponto de ter ligado para o número indicado, ao que me disseram que havia um outro elemento em Setúbal. Com ele comecei a angariar militantes junto do grupo de amigos”, recorda Carina Deus.

Quando o partido foi formalizado em abril de 2019, foi então formado o chamado Núcleo de Setúbal (o primeiro a ser criado na região foi o do Barreiro) a que se tinha juntado o outro dissidente Bento Martins, que chegou a fazer segurança em comícios de André Ventura e que também se desencantou com o que foi assistindo por dentro.

Um e outro fizeram parte da primeira estrutura distrital, sessão eletiva que decorreu a 28 de agosto de 2019. Carina Deus – profissional da área da saúde e responsável por uma IPSS -, como tesoureira, e Bento Martins, – polícia aposentado -, como presidente da Mesa da Assembleia. Por esta altura, o Chega em todo o distrito contava apenas com “uns vinte elementos”.

Mas antes da eleição do órgão distrital, que decorreu “numa garagem perto do hospital de Setúbal”, já o partido se tinha mostrado na Feira de Santiago, com um stand. “Logo aí começamos a ter problemas porque já havia pessoas que mostravam ao que vinham, nomeadamente a chegada de Nuno Gabriel, de Almada, agora candidato a presidente o Conselho de Jurisdição da distrital, que “veio minar ainda mais aquela paz podre que existia. Na última noite da feira reuni em minha casa o André Ventura e os dois vices a nível nacional para que esclarecessem para onde estava a caminhar o partido”, argumenta Bento Martins.

Da primeira estrutura distrital, ainda hoje liderada por Luís Maurício, já saíram a vice-presidente Paula Freitas, a tesoureira Carina Deus e o presidente da Mesa da Assembleia-Geral, Bento Martins. Mas a maior parte dos vogais, clarificam os ex-dirigentes, “nunca lá puseram os pés”. Bento Martins, acrescenta: “Em quase dois anos lembro-me apenas de três ou quatro reuniões. Sempre foi uma liderança do quer-posso-e-mando, sem dar cavaco a ninguém. Quanto se perguntava, a resposta do líder distrital era ‘quem manda é o André, e ele quer assim’.

Pior que isso, diz a ex-tesoureira: “Nunca vi contas, nem faturas, nem nada. Era sonegada toda essa informação, porque o Luís (Maurício) dominava tudo como queria”. Sobretudo, porque, aduz Bento Martins, “o homem era chegado ao André Ventura, desde os tempos dos ‘no name boys’ e chegou a dar-lhe dicas quanto o André participava no programa da CMTV. Hoje passa-se por doutor, mas toda a gente sabe que foi porteiro de bares noturnos e outras situações que têm vindo a lume. Para além da prepotência e do compadrio que se foi avolumando com a chegada de mais e mais gente ao partido no distrito”.

Bento Rodrigues alude ainda a alguns jantares organizados pela distrital, cujas contas “são no mínimo duvidosas”. Em primeiro lugar, diz, “cobravam um determinado valor por pessoa e pagavam outro valor menor aos restaurantes. E o pagamento de tudo o que tinha a ver com contas do partido na região era transferido para contas pessoais”.

 

Quatro presidentes de concelhias também bateram com a porta

A última razia de dirigentes do partido no distrito também chegou às concelhias. O Semmais sabe que das dez estruturas concelhias com presidentes nomeados no seu arranque já se demitiram Sofia Maldonado (Sines), Emanuel Torres (Montijo), Elsa Marta (Sesimbra), e Carina Deus (Setúbal).

Até à polémica convenção nacional de dezembro do ano passado, o Chega na região contava com 990 militantes inscritos, sendo que apenas 517 tiveram quotas pagas e, por isso, direito a voto. Para a mesma assembleia magna, a distrital de Setúbal elegeu 38 delegados. Carina Deus assegura que “o partido tem vindo a perder muita gente” e que na próxima convenção “deverá apenas eleger 34 representantes”.

Bento Martins, que diz se ter fartado “de tantas vigarices, algumas já do conhecimento público, afirma que o partido está hoje pejado “de pessoas racistas, xenófobos e radicais, que apenas querem atingir benesses e ganhar estatuto”. “Sai desiludido depois de ter feito avisos à navegação e ao próprio André Ventura. Todos os partidos devem ter criminosos, mas se calhar há o cuidado de não os deixar chegar ao topo. Semeie muitos inimigos no Chega porque não tinha papas na língua e nunca pactuei com compadrios e com más companhias”, afirma.

O último esforço de Carina Deus foi feito antes das presidenciais. Tinha prometido arranjar 120 assinaturas para a candidatura do seu líder e assim o fez. “Entreguei-as à mandatária Patrícia Uva (que também se demitiu) e ainda fui à convenção nacional para assistir àquele triste espetáculo, com os delegados sem informação, às cegas, e completamente manietados”.  Em termos políticos a desilusão é total: “Andei a discutir com as pessoas de que não tinham razões para atacar o Chega, mas eu é que estava errada, porque sempre foi um discurso vazio, sem propostas nem soluções, para além do atropelo aos estatutos, a lei da rolha e a prepotência”.

E como ficou o bichinho da política, Bento Martins aceitou integrar a lista para a assembleia municipal do Montijo como independente do Movimento Poder Popular do Montijo. E Carina Deus ainda espera concorrer à câmara de Setúbal nas próximas autárquicas, apoiada por um partido do centro-direita, havendo contatos com o PPM – Partido Popular Monárquico.