A presidente da Associação Cova do Mar, que presta apoio social no Bairro do 2.º Torrão, na Trafaria, Almada, disse na quarta-feira à noite que várias pessoas correm o risco de ficar em situação de sem-abrigo a partir de sexta-feira.
Alexandra Leal falava numa reunião da Assembleia da União de Freguesias da Caparica e Trafaria, alertando que o processo de realojamento iniciado no bairro é só para alguns e que para muitos está a ser um processo de desalojamento.
“É inacreditável que no século em que estamos, depois de uma pandemia e de uma guerra às portas da Europa, e de tão bem acolhermos e abrirmos as portas aos refugiados, não estamos a ser capazes de abrir as portas a quem vive na freguesia”, disse.
A Lusa tentou entretanto, sem sucesso, contactar a Câmara Municipal de Almada, no distrito de Setúbal.
Em agosto, a autarquia publicou editais indicando que pelo menos 44 famílias teriam de sair do 2.º Torrão até 30 de setembro, devido ao risco de colapso de uma vala de drenagem de águas pluviais perto das habitações.
Questionada na altura pela Lusa sobre as soluções encontradas para as famílias que residem nas habitações em causa, a liderança municipal explicou que foi assinado um protocolo de cooperação institucional com o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), no âmbito do Programa Porta de Entrada – Programa de Apoio ao Alojamento Urgente, criado pelo Decreto-Lei n.º 29/2018, de 04 de maio.
A autarquia assegurou que este programa permite a resolução de situações de necessidade de alojamento urgente em resultado de acontecimentos imprevisíveis ou excecionais, através do arrendamento de imóveis para habitação no mercado, financiando o IHRU o arrendamento durante o período de 18 meses – extensível até um máximo de 30 meses.
Contudo, na noite de quarta-feira, Alexandra Leal disse que desde junho tem alertado as entidades por o realojamento não estar a englobar toda a população que reside em cima da vala.
“Desde o início que temos relatos de pessoas que foram excluídas pelos serviços de habitação da Câmara de Almada e que agora estão em situação de se tornarem sem-abrigo a partir do dia 30 de setembro”, afirmou, adiantando que algumas dessas famílias têm crianças que a associação acompanha.
Segundo Alexandra Leal, até à noite de quarta-feira não foi criada qualquer resposta de realojamento para estas pessoas, temporário ou em casas alugadas.
“Assistimos esta semana a um desalojamento de um senhor onde os bens foram retirados sem ele estar na casa. Não houve nenhuma resposta da Câmara de Almada para garantir o alojamento imediato daquele ser humano”, disse.
O testemunho de Alexandra Leal foi corroborado pela presidente da União de Freguesias da Caparica e Trafaria, Sandra Chaíça, do PS, partido que preside também ao município de Almada.
“O que temos trabalhado no terreno tem sido muito difícil, mas tudo o que a Xana diz está correto. Doa a quem doer, estou ao lado da população”, referiu a autarca, adiantando que o processo de realojamento não está a ser bem conduzido.
Na resposta enviada à agência Lusa em agosto a propósito deste processo, a câmara referiu que procurará que o maior número possível de habitações para realojamento temporário destas famílias seja localizado no município. No entanto, justificou que, “devido às características do mercado imobiliário e aos critérios financeiros estabelecidos pelo IHRU, não será possível garantir que seja este o caso com todos os imóveis”.
Por outro lado, a autarquia explicou que a solução de realojamento será sempre temporária, uma vez que a solução definitiva já está prevista no âmbito da construção de 95 fogos municipais lançada em fevereiro.
O município assegurou também na altura que foi efetuado um levantamento de todas as crianças em idade escolar e que será feito um acompanhamento específico que garanta a integração das crianças nos estabelecimentos de ensino municipais das zonas onde serão realojadas, e que o processo de realojamento está a ser conduzido “desde o início em diálogo com todas as pessoas envolvidas”.
O 2.º Torrão, na freguesia da Trafaria, é um bairro precário com mais de três mil pessoas, que há cerca de 40 anos começou a formar-se ilegalmente, uma condição que se mantém, assim como as carências habitacionais, a falta de luz, de esgotos ou de limpeza nas ruas.