Katarina Lanier atravessou Europa e apaixonou-se por Cacilhas

Foto: Jean Lopes

A jovem bósnia-americana, residente em Almada, venceu a categoria de Dança na última Mostra de Jovens Criadores realizada em dezembro. Em conversa com o Semmais, a artista conta o que pretende transmitir com “Call Me Three Times”.

Como é que Portugal e Almada entram na sua vida?

Encontrei um coreógrafo português quando estava na França, o João Fiadeiro, que ia organizar um programa na Penha de França, em Lisboa. Acabei assim por vir para Lisboa para participar no Programa Avançado de Criação em Artes Performativas 5. Mais tarde conheci uma menina que morava em Cacilhas, Almada, e na Casa de Dança, também conheci outras pessoas e acabei por ir ficando.

Quais foram as primeiras impressões de Almada e como é que se foi adaptando?

Foi algo muito orgânico. Cheguei e senti que devia estar ali, que pertencia ali. Senti que fazia parte daquele espaço. Gosto muito de Cacilhas. Acho curioso, por exemplo, temos Lisboa e logo do outro lado Almada, estão ali frente uma a outra, perto uma de outra, estão ligadas, mas conseguem ser tão diferentes. Não foi uma surpresa necessariamente, mas vir para Portugal e estar em Lisboa e Almada foi uma experiência muito rica para mim, porque estava habituada a Paris e à energia da Europa Central. Aqui é diferente, mas é normal, porque todos os países e territórios são diferentes. Mas aqui foi especial, porque em todas as cidades há lugares e espaços diferentes. Cada ponto tem a sua história específica e detalhes especiais. É isso que sinto.

Apesar da fácil adaptação, ouve alguma dificuldade que queira destacar?

Acho que me adaptei facilmente. Contudo, sinto que vou passando por níveis de adaptação e entendimento. Já passei pelo primeiro, penso que passei o segundo e, agora, estou no terceiro, de saber como vivo aqui, também no mundo da dança, no mundo da performance. Esta área geográfica é grande, mas acaba por ser pequena, no sentido em que pude encontrar facilmente várias coisas, várias pessoas, coisas diferentes.

O que é que achou do programa em que participou? Que aprendizagens retirou desse momento?

O programa foi muito experimental. Era um conceito muito aberto, uma energia muito forte. Foi, posso dizer, a primeira vez que vi uma coisa assim. A abertura, as diferentes práticas, as maneiras de fazer, outras culturas, foi muito especial. Fiquei muito impressionada.

Já conhecia a Mostra Nacional de Jovens Criadores?

Sim já conhecia, por intermédio de umas amigas.

Mas foi a primeira vez que participou?

Sim, esta foi a primeira vez. Só cheguei a Lisboa em 2021 e depois participei no Programa Avançado de Criação em Artes Performativas 5, em 2022. Foi assim tudo muito novo para mim. Só mais recentemente é que fiquei a conhecer e a perceber com mais pormenor o que era a Mostra.

Que ideia é que lhe transmitiu a mostra?

Fiquei muito feliz pela realização da mostra. Acredito que é muito importante para nós, para os jovens artistas que têm oportunidade de se revelar em tantas áreas diferentes. Pensei “wow!”, isto é uma coisa enorme. Tem 15 manifestações culturais distintas e até mesmo algumas que não costumam estar englobadas na arte, como a gastronomia, e isso é bom. Depois há a maneira como a mostra vê a arte, que é grande, não é só a perspetiva clássica, consegue ser contemporânea. É uma forma flexível e aberta de olhar para a cultura e para a arte.

Pode falar um pouco do projeto que levou à MNJC e com o qual foi distinguida?

Esta peça foi feita no Programa Avançado de Criação em Artes Performativas 5 e decidi leva-la à mostra. Chama “Call Me Three Times” e tem 3 partes. Na primeira fase temos 24 pessoas a fazerem uma improvisação do coreografo João Fiadeiro, na segunda parte estávamos 16 pessoas a fazer pequenos projetos de grupo e no fim estávamos dez pessoas a fazer um projeto de solo. Foi muito lindo. Praticámos muitas coisas, muitas técnicas, muita coisa diferente. Eu recebi e aprendi muito. Percebi que tenho uma técnica e recebi muito pessoalmente.

Foi então um processo importante a nível artístico e de aprendizagem pessoal?

Sim, acabei por trabalhar muito e receber muito. Tinha feito uma pausa da dança, durante dois ou três anos não dancei, estive a fazer outras coisas, como artes visuais, por exemplo. Quando decidi voltar para a dança queria investigar muito sobre o prazer de estar em palco, o prazer dentro da dança. Isso é a coisa mais importante para mim nesta arte, é simplesmente um prazer que estou a compartilhar com as pessoas. É uma grande energia, é muito forte, para mim é mágico. Quero entender o que é esta coisa de nos querer fazer dançar, de nos sentirmos vivos e de nos querer fazer estar alegres e ter prazer. Mas ao mesmo tempo, isto de estar em palco não é só prazer e não é sempre fácil. Por trás há sempre um fundo de muito trabalho, às vezes de muita dor física e psicológica.

E o projeto apresentado na mostra também reflete esse processo artístico e pessoal que teve de atravessar?

Eu acho que sim. A peça é uma ficção, é uma narrativa, não tem propriamente uma pessoa dentro da peça, mas ao mesmo tempo eu uso esta narrativa para perguntar e refletir sobre as minhas próprias dúvidas e questionamentos. Acaba por também ser um veículo