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Caros leitores vocês sabem que não sou do PS, que não aprecio especialmente o ex-ministro Galamba, mas não posso deixar de condenar veementemente esta prática de escutar um cidadão durante quatro anos.

Ora, aqui “a bota não bate com a perdigota” como diz o nosso sábio povo. Eu explico: João Galamba era suspeito de estar a praticar determinado crime. O Ministério Público, no âmbito das suas atribuições e competências entendeu que era razoável escutá-lo. Até aqui tudo bem.

Manda a lei, que para que o MP o possa escutar, através de um órgão de Polícia Criminal, que tenha a prévia autorização de um Juiz de Instrução Criminal. Assim foi.

Essas escutas, segundo o n.º 1 do Art.º 187.º do Código do processo criminal só é permitida nestes casos – “ A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público.”

Acontece que o n.º 6 do mesmo artigo refere que “A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.

E o n.º 4 desse artigo refere que “A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra: a) Suspeito ou arguido (os restantes casos não se aplicam ao visado).

Posto isto, a pergunta que se impõe é: quatro anos meus senhores? Escuta-se um ministro (antes creio que era deputado) durante quatro anos e só ao fim desse período se constitui a pessoa como arguida? E não se dá justificações para isso?

Para além de um abuso que o Ministério Público e o próprio Conselho Superior de Magistratura deviam vir explicar (1 autorização de um Juiz de Instrução Criminal e 15 renovações dessa autorização), sem nenhuma acusação?

João Galamba pode ser tudo o que nós imaginamos, mas é um cidadão que tem direito aos seus direitos Permitam-me o pleonasmo) mais elementares e ter a sua vida escrutinada durante quatro anos, parece-me claramente abusivo.

Por outro lado, a violação do segredo de justiça, ou por terceiros ou por parte do próprio Ministério Público (no fundo são eles que conduzem uma acusação, logo, eles são os responsáveis, mesmo que sejam terceiros a fazê-lo), pareceme extremamente grave. E mais grave ainda é a normalização que essa violação hoje em dia tem na nossa sociedade.

Não há acusação ou investigação de interesse geral que não chegue ao grande público.

Pergunta-se: para que serve o segredo de justiça? Não é para proteger os arguidos e a própria investigação?

E mais, o Ministério público existe para salvaguardar os nossos direitos e, se lhe são dadas prerrogativas no âmbito do seu trabalho (nomeadamente esta de nos poder escutar), por maioria de razão obrigam-nos a um zelo maior na salvaguarda de preservar o que escutam, destruir o que é supérfluo e não permitirem (ou eles próprios cometerem) que se cometa um crime que é violar o segredo de justiça e vir para os jornais e redes sociais entregar a prova do que se escutou e que nem tinha relevância para o processo.

Ouvia hoje numa rádio nacional um comentador a insurgir-se contra António Costa, por estar, na sequência das escutas reveladas no âmbito do “caso Influencer”, envolvendo o ex-primeiro-ministro António Costa a ligar a João Galamba para ordenar a demissão da presidente executiva da TAP, por motivos políticos, depois da polémica indemnização de 500 mil euros à ex-administradora Alexandra Reis, onde os dois ex-governantes falavam sobre a necessidade de substituir a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.

Esse comentador dizia que isso era muito grave. Mais grave até do que a violação do segredo de justiça.

Como aprendi com o meu patrono, que me dizia amiúde: “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.

Claro que o que António Costa e João Galamba fizeram é muito, muito grave. Sobretudo do ponto de vista político e de gestão do bem público e nesse âmbito, eventualmente podem até ter de responder, mas a gravidade de uma coisa, não diminui a gravidade da outra e embora só se saiba disto graças às escutas, isso não pode permitir ou validar o procedimento se o mesmo estiver errado.

Temos mesmo de repensar todo este modelo, que me parece desadequado aos tempos presentes. E perigoso. Muito perigoso.