Dez mil em palavras para não haver dúvidas

Na carta de maio de 1936 que enviou de Lisboa para a Internacional Comunista da Juventude, que reunira em Congresso em Moscovo, «Gonçalves», responsável pela Federação das Juventudes Comunistas, dá conta de «novas organizações que indicam grandes possibilidades de trabalho que temos na província», designadamente «as mais próximas de Lisboa às quais o CC pôde dar uma ajuda permanente». O Montijo está entre elas (12ª página do Tomo I das Obras Escolhidas daquele que adivinhamos, Álvaro Cunhal, Edições Avante!, 2007).

Um homem de 42 anos vivia então na Estrada Nova do Montijo. «Entregue pela Administração do Concelho do Barreiro deu entrada na PSP em 13-12-36, recolhendo incomunicável a uma esquadra. Transferido para a 1ª esquadra em 30-12-36. Transferido para a Cadeia do Aljube em 31.12.36. Transferido para a Fortaleza Militar de Peniche em 17.3.37. Transferido para a Colónia Penal de Cabo Verde em 5.6.37. Em 11-6-943 pelas 2.40 horas faleceu na Colónia Penal de Cabo Verde». De biliose, omitido.

Que mais se pode saber por esta zelosa «Biografia Prisional» a cargo da Polícia de Defesa e Vigilância do Estado? Que era filho de José Francisco Alves dos Reis e de Maria da Conceição, tinha 1,69m de altura e cor «natural», mas não «alcunha», um dado supostamente obrigatório da ficha, sabe-se porquê. Nome: «José Manuel Alves dos Reis». «Nacionalidade portuguesa, Naturalidade Setúbal».

«Foi para a frigideira o Alves dos Reis por não terem ido buscar o caldo das dietas», eis a «ocorrência» do dia 14 de Fevereiro de 1941 anotada pelos próprios anti-fascistas (Dossier Tarrafal, outra edição Avante! de Outubro de 2006 a assinalar os 70 anos da decisão de Salazar de abrir mais, muitas mais valas, que do Campo da Morte Lenta se trata). A 15, «foram-no buscar às 3 horas da manhã por se encontrar doente.»

Voltaram a Portugal, como se sabe, em Fevereiro de 1978, os restos mortais de 32 daqueles que enfim «puderam receber a justa homenagem nacional, expressa numa das mais impressionantes manifestações realizadas após o 25 de Abril» (op. cit), caminhando até ao Cemitério do Alto São João para dar corpo a um Memorial.

A União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) acaba de editar (Abril) um pesado volume de 779 páginas «A CADEIA DE CAXIAS a repressão fascista e a luta pela liberdade», «dando a conhecer mais de 10 000» (dez mil) «nomes de homens e mulheres presos pela PIDE nesta cadeia de 1936 a 1974».

Há setubalenses, entre as páginas 326 e 739, e Alves dos Reis, um dos do além-mar, está homenageado na Rua Major Perestrelo da Conceição, na Urbisado sadina. Em Agosto voltaremos, com nota sobre o porquê do Julho desta retoma.