PATRIMÓNIO DE UM POVO “BEBIDO” POR MILHÕES
As tradições e o modo de vida inspiraram e inspiram milhares de anedotas, sketches humorísticos e outras formas de arte. Mas, a resiliência e genuinidade do povo alentejano fez também a referência de uma grande marca passar de pequena… a mini.
TEXTO FILOMENA RICARDO IMAGEM DR ILUSTRAÇÃO PEDRO FRADE
Com mais ou menos sotaque, os falares alentejanos ainda andam por aí. Nos lugares mais ‘escondidos’ da região que ocupa quase um terço do país, e que nos últimos anos tem vindo a conquistar um lugar no top dos destinos de moda, ainda é comum ouvirmos nas tabernas, nos comércios locais ou pelas ruas e campos, expressões ou palavras como “dia acabranado” (dia a ameaçar chover), “de má rés” (pessoa perigosa), “dêtar” (deitar ou atirar algo), “malacueca” (desmaio), ou “má falante” (pessoa pouco simpática).
Um conjunto de linguajares que, embora se tenham vindo a perder no tempo, começaram a dar origem a inúmeras piadas ou outras formas de humor. Desvaneceram-se os vocábulos que não cabem no português, corretamente falado e escrito, mas permanece o sotaque que, embora varie de distrito para distrito, encontra pelo menos numa palavra a simbiose.
“Dá aí mais cinco”, “esta rodada sou eu que pago” ou “põe já a gelar mais uma grade” são frases que fazem parte dos hábitos de quem se junta para umas partidas de matraquilhos, à volta de um balcão ou de uma mesa, para deitar conversa fora, comer uns petiscos ou jogar ao sobe e desce, à cornélia ou à sueca. O nome do que se pede não precisa ser dito, pois quem está ‘ao serviço’ sabe que o desejo é uma “mine” (Mini).
Estes rituais sobrevivem e atravessam, hoje, gerações, mas a história começou lá atrás. Na época em que o Alentejo era visto, sobretudo, como uma enorme planície, plena de gente lutadora, resiliente e humilde, como os “ganhões” (trabalhadores rurais). “A ligação da Mini ao Alentejo é umbilical. Foi pensada para o mercado alentejano e nasce em 1972. Neste período, estamos a falar de uma região com grandes propriedades, grandes extensões de terra, onde trabalhavam de sol a sol muitas pessoas, que viviam com dificuldades e com pouco dinheiro, portanto tudo tinha que ser acessível. Para além disso, o Alentejo era e é o grande celeiro de Portugal, o nosso principal fornecedor de matéria prima, da cevada dística, um dos quatro ingredientes com que se faz cerveja”, explicou à Semmais Nuno Pinto de Magalhães, Diretor de Comunicação e Relações Institucionais da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas(SCC).
A pequena que se batizou ‘mine’ e se tornou Mini
Com uma forte ligação comercial e emocional à região, a empresa com sede em Vialonga, onde está também instalada a unidade de produção da marca Sagres, olhou para o perfil dos alentejanos e decidiu criar uma referência que desse resposta aos usos e costumes diários, mas que também facilitasse o acesso a um produto já democratizado. “É muito engraçado porque qualquer extrato social bebe cerveja, mesmo os altos, quando vêm futebol, por exemplo. Portanto, a cerveja tem uma plataforma de convivialidade e de transversalidade social única. Concorre em todos os targets. E quando, nessa altura, olhámos para os alentejanos que se deslocavam a pé ou de burro, muitas vezes com a enxada ou outros utensílios às costas, para irem trabalhar no campo, nomeadamente ceifar a cevada, com temperaturas muito alevadas, pensámos logo criar uma referência que coubesse dentro dos tarros onde levavam os alimentos. Nem mais, nem menos, e criámos a garrafa de 20cl”, contou Nuno Pinto de Magalhães.
O tarro, recipiente de cortiça utilizado pelos “ganhões” para conservar e transportar os parcos alimentos da época – a grande maioria um naco de pão, azeitonas, um bocado de sardinha conservada em salmoura e, eventualmente, um cozido de grão pobre em proteínas mas rico em ervas aromáticas e plantas silvestres comestíveis como o cardo -, inspirou, em 1972, a criação de uma nova e inovadora referência Sagres.
A dimensão da garrafa encaixou na perfeição nos hábitos alentejanos, já o nome, “pequena” não coube. “O sucesso foi grande – porque antes a garrafa era mais bojuda, de 33cl, mas no Alentejo o nome Pequena nunca entrou, chamavam-lhe mine, Sagres mine. Começaram a dizer ‘dá cá uma mine’, dá cá uma mine’, porque Pequena não entrava no léxico da região. E de facto, nós que temos desde sempre uma perspetiva da escuta ativa do consumidor, ao ouvirmos os alentejanos chamar-lhe mine chegamos à conclusão de que não poderíamos continuar a chamar-lhe Pequena. Isto era estar a insistir numa designação que não tinha correspondência com o que o consumidor lhe chamava. Então mudámos o nome, não para mine que não existe no léxico português, mas para Mini, disse à Semmais o mesmo responsável, adiantando que este é o único caso que conhece “onde o consumidor foi determinante na alteração do nome do produto”.
Sucesso no mundo rural, cosmopolita e em Bruxelas
Um verdadeiro case study de marketing que, cerca de ano e meio depois do lançamento, ‘obrigou’ a empresa a mudar a designação Sagres Pequena para Sagres Mini, tal como os alentejanos a batizaram. Mas esta não é a única curiosidade à volta do sucesso deste produto. “É muito engraçado porque a Sagres Mini, na altura, é lançada como uma referência rural, pouco urbana, muito focada no Alentejo, um bocadinho ligada inclusive ao final do dia da jorna, quando os homens se juntavam nas tabernas e iam enchendo as mesas com as minis. Mas, de repente, na década de 80 passa a ser também uma referência urbana, passa a ser moda, cosmopolita e a ser vendida nos sítios mais trendy de Lisboa. Já na década de 90, as discotecas importaram dos Estados Unidos a prática de se beber pela garrafa e como a Sagres Mini tem um long neck (pescoço / gargalo alto) permite a cerveja manter-se fresca e viva, sem qualquer alteração. Então, como era trendy estar de garrafa na mão, tornou-se icónica”, afirmou Nuno Pinto de Magalhães.
Icónica, uma referência no setor cervejeiro nacional – só replicado pela concorrência três décadas depois – líder no Alentejo e no país e, à semelhança do povo que a batizou, resiliente, ao ponto de conseguir quebrar as fronteiras da integração na Europa. “Quando entrámos para a Comunidade Europeia, em 1985, Bruxelas, com aquele espírito muito aprofundado, foi ver as normalizações metrológicas das embalagens, que são as capacidades que têm de estar normalizadas para passarem na Europa, onde não existia a 20cl, só 25cl. Então, deram-nos um período de transição para acabarmos com a Mini e passar tudo a 25cl. Mas a referência tinha tanto peso, cresceu tanto e estava de tal forma implementada que o que era transição passou a definitivo. Tanto que hoje, no mercado, subsistem as duas, a 20cl e a de 25cl”, explicou o Diretor de Comunicação e Relações Institucionais da SCC.
Presente em mais de 30 países, dos europeus aos de língua de expressão portuguesa, como Cabo Verde, Angola, Moçambique ou São Tomé, a Sagres Mini é transversal às diferentes ocasiões de consumo e targets. Nas palavras de Nuno Pinto de Magalhães, “dos mais novos, aos mais velhos, dos homens às mulheres, dos heavy consumers aos light consumers, nos ambientes mais rurais ou urbanos e em qualquer momento” a cerveja que se lançou com o slogan “Beba Sagres pequena, a sua pequena”, mas que rapidamente passou a Sagres Mini é uma referência nacional, que nasceu e se impôs inspirada nos hábitos, costumes e cultura alentejana.