«VIAGEM de Inverno», de Elfried Jelinek, com encenação de Nuno Carinhas, estreou a 24 de Janeiro na Sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite e está em cena só até ao dia 23 deste mês: são os últimos dias para assistir à última criação da Companhia de Teatro de Almada, a que nem o público nem a crítica têm ficado indiferentes.
Elfried Jelinek, a autora austríaca vencedora do Prémio Nobel da Literatura em 2004, é um dos nomes de referência do chamado ‘teatro pós-dramático’. Tal como Thomas Bernhard (de quem já montámos O fazedor de teatro e O presidente, ambas encenações de Joaquim Benite), a escritora mantém uma relação tensa com o seu país natal, denunciando nos seus textos a pulsão nacional-socialista que persiste em certas camadas da sociedade do seu país. Só que onde Bernhard cria personagens que se lançam em monólogos elípticos, pontuados apenas por sintéticas intervenções de uma plêiade de comparsas quase sempre inquietantes, Jelinek compõe uma verdadeira torrente de palavras que submergem o conceito de personagem. Bernhard criou figuras inesquecíveis (Minetti, Bruscon…), as mais das vezes escritas à medida dos grandes actores austríacos do seu tempo, ao passo que Jelinek recusa as convenções do teatro tradicional — como acção, espaço e tempo. As palavras da autora de Viagem de Inverno destinam-se a vozes, não a personagens. Interpretam esta ‘viagem imóvel’ três actrizes de três gerações distintas: Teresa Gafeira, fundadora da CTA; Flávia Gusmão, que colabora pela primeira vez com a nossa Companhia; e Ana Cris, que se estreou profissionalmente nesta Casa em 2011.
A par do espectáculo, têm decorrido no ‘foyer’ do teatro, aos Sábado à tarde, as «Conversas com o público», coordenadas por Bruno Monteiro, que convida interlocutores de várias áreas a dialogar com os espectadores acerca dos temas suscitados pela peça. Hoje, às 18h00, estaremos à conversa com Vera San Payo de Lemos e Daniel Ribas; e no próximo Sábado, à mesma hora, teremos como convidados António Pinto Ribeiro e Regina Guimarães.
Várias das sessões de «Viagem de Inverno» têm esgotado, pelo que se prevê uma enchente na última semana da carreira da peça. As críticas entretanto publicadas apontam nesse sentido. Rui Monteiro, no «Público» refere que “‘Viagem de Inverno’ não é título de comédia sentimental ou de qualquer dessas reminiscências saudosistas que a indústria cultural tem produzido em barda”, ao passo que Helena Simões, no «Jornal de Letras» sublinha a “coerência estética e estilística” do espectáculo, no qual “três grandes actrizes proferem, com generosidade, invenção e talento, os discursos constituídos por associações de temas: Teresa Gafeira assume, exemplarmente, a camada coloquial e ferozmente irónica; Flávia Gusmão dá voz ao ‘eu’ lírico e desesperado com emotiva intensidade poética; e Ana Cris expressa com acuidade técnica a abstração fria e cortante da linguagem”.
BOCA DE CENA
Rodrigo Francisco
Diretor da Companhia de Teatro de Almada