Investigação do Semmais permitiu descobrir que a família que mantinha idosos numa residência com lixo, piolhos e sarna, tem um terceiro estabelecimento no Montijo. Alguns familiares ponderam recorrer à Justiça.
Os proprietários do lar de idosos que, no dia 4 deste mês, foi encerrado em Aljeruz, Palmela, devido a falta de condições de salubridade, inexistência de meios de habitabilidade e ausência de licença, prepararam-se para abrir um estabelecimento igual nas Fontainhas, próximo da Quinta do Conde. Trata-se de uma vivenda onde decorrem obras e que não existe nos registos da Segurança Social. A mesma família terá um terceiro lar a funcionar no Montijo.
“Estamos a contar abrir o lar das Fontainhas para a semana. Os homens andam lá a acabar as obras e por isso não é possível ir lá ver como é. Ainda não está batizado. Não tem nome. Mas já temos muita gente interessada em ir para lá. Quantas pessoas leva? Talvez umas 20. Para já temos uma lista de sete”, disse ao Semmais Rosa Maria Pereira, uma das responsáveis do empreendimento que atendeu o nosso telefonema após termos visto um anúncio a disponibilizar os serviços mediante o pagamento de 550 euros mensais.
“Vai lá o médico quatro vezes por mês e, por isso, são mais 40 euros”, afirmou a mulher que disse desconhecer a morada exata do lar que irá ser inaugurado e que revelou que um terceiro, “completamente cheio”, funciona “no Montijo, junto ao Montepio”. Esta mulher é mãe de um outro responsável, Miguel Ângelo Pereira, que trabalha no Hospital São Bernardo, em Setúbal.
Contactado telefonicamente pelo nosso jornal, Miguel Ângelo Pereira nada quis comentar, optando por desligar e bloquear o telemóvel. Na passada semana, quando foi interpelado pela nossa reportagem após o encerramento do Lar São Pedro, em Aljeruz, negou que não existissem condições de habitabilidade no estabelecimento ou que os idosos não tivessem os cuidados de higiene necessários. “A única verdade, efetivamente, é que o lar estava ilegal e os idosos foram retirados à força, não querendo deixar o local. Não existiam maus-tratos nem falta de higiene”, contou então, depois de equipas da Segurança Social e da GNR terem transportado os utentes, muitos deles com sarna e piolhos, para a Base Naval do Alfeite e para o Lar Fátima Park, na Quinta do Anjo.
Denúncias à Segurança Social chegaram em 2019
As condições a que os idosos seriam sujeitos no Lar São Pedro já eram conhecidas da Segurança Social (Centro Distrital de Setúbal), pelo menos desde 2019. Tal confirmação consta de três respostas que o organismo estatal deu ao filho de um nonagenário que ali se encontrava internado e com quem o Semmais também chegou à fala.
Pedro Rodrigues contou que o seu pai, de 91 anos e que se deslocava com o auxílio de um andarilho, deu entrada nessa instituição em abril de 2019 e lá ficou até outubro do mesmo ano. “Retirei-o de lá depois de o encontrar com um buraco na cabeça, depois de uma queda. Denunciei o caso à Segurança Social, que confirmou que o lar não tinha licença e que a minha participação tinha sido encaminhada e estava a ser analisada”, contou.
De facto, a Segurança Social respondeu por três vezes (conforme o nosso jornal constatou), mas não deu conta do desfecho final das averiguações que terão sido feitas. Pedro Rodrigues, cujo pai entretanto já faleceu, diz que até 2023 ainda pode reabrir o processo e que o irá fazer. “Ao fim de uma semana de lá estar, o meu pai parecia mais morto que vivo. Quando lá fui, vi sempre apenas aquilo que me quiseram mostrar, mas sei que a roupa estava toda ao monte e que quando retirei de lá o meu pai a sua medicação vinha misturada com a de outras pessoas. Pagava 600 euros por mês e em julho ainda me exigiram o subsídio de férias”, referiu.
A mãe de uma outra utente retirada do lar no dia 4 deste mês e que solicitou anonimato, contou também que os medicamentos que estariam a ser administrados não seriam os que tinham sido prescritos pelos médicos. “Não eram os dela. Entregaram-me medicamentos que não eram da minha mãe, assim como peças de roupa sujas que também não lhe pertenciam”, adiantou a mesma mulher salientando que “por mim tudo farei para que não sejam autorizados a trabalharem com idosos”. “A minha mãe esteve lá dois meses e quando a fui buscar estava cheia de feridas no rabo. Os senhores das ambulâncias que lá entraram disseram-me que aquilo era uma imundice que não dava para explicar”, concluiu.
Mais de duas centenas de lares sem licenciamento
A Segurança Social tem conhecimento da existência de 210 lares não licenciados em todo o distrito de Setúbal. Estes estabelecimentos, segundo explicou fonte conhecedora do processo, não estão, obrigatoriamente, nas mesmas condições sanitárias encontradas, por exemplo, no Lar São Pedro. “A legislação não obriga ao encerramento, mas determina que se faça uma avaliação da situação para saber se há risco. Em caso de incumprimentos detetados aplicam-se coimas”, explicou a mesma fonte. “Por vezes os lares não estão licenciados por se encontrarem edificados numa área que não permitia a sua existência, como por exemplo uma zona de reserva agrícola. Noutras ocasiões, mesmo tendo boas condições de habitabilidade, podem não cumprir requisitos como a dimensão. Por fim, como parece que era o caso de Aljeruz, há verdadeiros pardieiros. Esses são os casos mais graves e que conduzem, quando detetados, ao encerramento imediato”, adiantou ainda a mesma responsável, afirmando que “os serviços de fiscalização irão fazer o seu trabalho para se inteirarem dos eventuais casos de funcionamento sem condições de salubridade que possam existir em lares que são propriedade das mesmas pessoas”.