Entrevista: Sérgio Faias, presidente da Docapesca

O presidente da Docapesca afirma que a atividade piscatória é hoje mais segura, moderna, próspera e rentável. E que as lotas do distrito têm sido alvo de grandes investimentos. Uma mudança que se sente em toda a fileira do pescado.

 

É recorrente falar-se de um setor com muitos problemas e de uma atividade que tem regredido. Confirma este cenário?

Infelizmente, para quem não tem ligação a este setor de atividade, vai passando essa imagem de muitas dificuldades. Mas essa não é a realidade para a generalidade do setor. A pesca profissional é atualmente uma atividade segura, moderna, com elevada incorporação tecnológica, próspera e rentável. E felizmente, ao longo de todo o país, encontramos cada vez mais jovens com elevado nível de qualificações, a querer trabalhar no setor.

 

Suponho que a Docapesca esteja a contribuir para essa mudança?

Sem dúvida. A Docapesca tem uma forte preocupação com a valorização dos produtos do nosso mar e com a distribuição mais equilibrada dos rendimentos ao longo de toda a cadeia de valor, pois só assim é possível a sustentabilidade deste setor de atividade. Por isso, para além do empenho na modernização das infraestruturas, temos colaborado com os agentes económicos da fileira do pescado em ações de promoção do pescado junto do consumidor final e incentivado o desenvolvimento de novos produtos e a procura de novos segmentos de mercado.

Foi por isso que organizaram a Expo Fish?

A Expo Fish Portugal é um desses exemplos. Face ao contexto de pandemia, com muitas feiras internacionais a serem canceladas, no início de 2021 fomos desafiados pela Sra. secretária de Estado das Pescas, Dra. Teresa Coelho, a organizar uma feira internacional, em modelo virtual, para a promoção e exportação dos produtos da pesca e do mar português. Aceitámos o desafio e concretizámos a Expo Fish Portugal no passado mês de novembro, na qual participaram 80 expositores e cerca de 450 visitantes de 30 países.

Que outros projetos inovadores têm em curso?

Nos últimos anos temos desenvolvido um vasto conjunto de projetos. Um exemplo é o SmartOcean, uma incubadora de empresas de base tecnológica no domínio da economia do mar, que está em instalação no porto de Peniche. No âmbito da sustentabilidade ambiental podemos destacar A Pesca por um Mar Sem Lixo, projeto desenvolvido em articulação com associações e autarquias, ao qual já aderiram mais de 3 mil pescadores e que consiste na recolha dos resíduos produzidos a bordo e capturados nas redes. Na perspetiva de valorização do pescado, lançámos esta semana a fase 2 do site A Lota em Casa, no qual os consumidores podem realizar as suas compras online nos estabelecimentos aderentes ao CCL – Comprovativo de Compra em Lota. Estamos também a trabalhar na digitalização dos diversos serviços prestados pela empresa e na modernização do sistema de leilão eletrónico, levando-o agora a bordo das embarcações.

O que mais se pode dizer sobre esse sistema de leilão a bordo?

Permite, por exemplo que, através de uma aplicação de telemóvel, o pescador inicie a primeira venda do seu pescado ainda a bordo da embarcação. O pescado poderá assim estar em venda desde que foi capturado até chegar à lota e, ao contrário do leilão tradicional, realizar esse leilão de forma crescente. O controlo de qualidade do pescado vendido nessa aplicação faz-se em lota, com recurso a uma balança equipada com inteligência artificial, capaz de reconhecer a espécie e o tamanho, e ajudar o operador a classificar o grau de frescura.

Qual o peso do nosso distrito no setor da pesca nacional?

É uma das regiões em que a atividade tem maior proeminência a nível nacional, com especial expressão na arte do cerco, em que a sardinha, a cavala e o carapau representam algumas das principais espécies capturadas. O pescado transacionado nas lotas deste distrito corresponde a mais de 30% da quantidade de pescado transacionado a nível nacional e a cerca de 25% dos mais de 200 milhões de euros transacionados anualmente em Portugal continental.

Esse peso tem sido acompanhado com investimentos em termos de infraestruturas?

Claramente, mas deixe primeiro fazer um enquadramento global. Entre 2016 e 2020, a Docapesca realizou investimento na ordem dos 25 milhões de euros ao longo de todo o país, com particular destaque para a garantia das condições de segurança de pessoas e bens nos portos de pesca e na melhoria de segurança alimentar nas lotas.

A nossa ação no distrito tem sido muito expressiva, em consonância com a sua importância à escala nacional e em função das necessidades de crescimento do setor na região. Destaco alguns investimentos recentes como a reabilitação da Lota da Costa da Caparica, a nova Lota da Trafaria e o conjunto de intervenções que permitiram a certificação pela norma ISO 22000 das lotas de Sesimbra e de Setúbal. Temos em curso, também, a construção da nova Lota da Carrasqueira, em Alcácer do Sal, e o pavilhão de descarga do pescado do cerco em Sines. Ainda em 2021 vamos lançar um novo concurso público para o pavilhão de descarga do cerco em Sesimbra e, no estuário do Tejo, para além do posto de registo do Barreiro, aberto em maio, vamos ainda abrir os postos de registo do Montijo, Samouco e Alcochete.

Fala-se hoje muito na eficiência energética das empresas, a Docapesca tem feito investimentos nesse sentido?

A eficiência energética contribui para um melhor desempenho ambiental da atividade e pode representar relevantes poupanças no atual contexto de preços de energia. Desde 2016, a Docapesca tem investido na instalação de tecnologia LED na iluminação, na monitorização centralizada de consumos e, mais recentemente, na produção de energia fotovoltaica para autoconsumo e na instalação de postos de carregamento para veículos elétricos. Atualmente, temos os parques fotovoltaicos de Vila Real de Santo António e do Arade instalados, os parques da Nazaré e de Olhão em construção e, em projeto, os parques de Lagos, Peniche e Sines.

O tema sardinha tem dado muito que falar, o que mudou este ano?

Em relação à sardinha, este foi um ano muito relevante. Após vários anos com fortes restrições nas capturas, o esforço realizado pelos armadores para permitir a recuperação da espécie começou a dar frutos e foi possível ao Governo praticamente duplicar os limites de captura dos anos anteriores. Este aumento é importante para a sustentabilidade económica das tripulações, mas também para a redução da dependência externa da indústria nacional de transformação e da produção de conservas de pescado.

 

Um homem de missão com forte ligação ao mar

Sérgio Faias é natural de Sesimbra, pelo que “desde sempre” manteve uma forte ligação ao mar. E, por isso mesmo, afirma ter sido “muito fácil criar laços” e entrosar-se com as gentes da pesca ao longo de todo o país. Doutorado em engenharia Eletrotécnica e de Computadores, Mestre em Engenharia Mecânica, e professor de Sistemas de Energia no ISEL, o presidente da Docapesca considera que onde se sente mais realizado é nas relações pessoas que estabelece no exercício das suas funções. “A sensação de que todos os dias estamos a contribuir para a melhoria das condições de vida destas comunidades, é sem dúvida o melhor deste trabalho. O pior é mesmo quando o telefone toca fora de horas, normalmente não são boas notícias”, sublinha.

 

60 anos de atividade e muitas mudanças pelo caminho

A Docapesca, que é responsável pela gestão dos portos de pesca e organização da primeira venda de pescado, celebra este ano 60 anos. Sérgio Faias fala em “parceiro de confiança do setor”, contribuindo dia a dia para a valorização dos produtos da pesca e da economia do mar. A empresa pública iniciou a atividade em Lisboa, mas ganhou abrangência nacional com a integração, na década de 80, do Serviço de Lotas e Vendagem. Em 2014, ganhou novas competências no âmbito do ex-IPTM, passando a ter funções de Autoridade Portuária em 22 concelhos de Portugal continental. Atualmente faz a gestão de infraestruturas portuárias desde Caminha até Vila Real de Santo António. No seu portfólio, para além do conjunto de 24 lotas e 37 postos de registo e vendagem, a Docapesca tem sob a sua jurisdição um conjunto diferenciado de infraestruturas portuárias, que vão desde estaleiros de construção e reparação naval, armazéns de aprestos e comerciantes, marinas e portos de recreio, frentes urbanas em zonas ribeirinhas, passando pela gestão de carreiras fluviais de passageiros e pelo assinalamento marítimo. “Importa referir que a nossa atividade depende exclusivamente de receitas próprias, sem quaisquer transferências do orçamento do estado”, ressalta o presidente Sérgio Faias.