25 de Abril: 48 anos depois, como é visto o distrito por personalidades locais

Volvidos 48 anos após a revolução, como está o distrito de Setúbal? Progrediu, estagnou ou regrediu? Os habitantes são mais ou menos felizes? Cumpriu-se o desígnio ou abastardaram-se as promessas? O Semmais registou algumas opiniões. Todos louvam a liberdade obtida. Mas ainda há alguns pontos a que parece ter faltado o nó final.

“Havia três ‘D’ a cumprir quando se fez a revolução: A Descolonização, o Desenvolvimento e a Democracia. Creio que todos foram atingidos”, a síntese é de Carlos Beato, um dos principais militares do 25 de Abril de 1974 e, posteriormente, presidente da câmara de Grândola, emblemático concelho do distrito de Setúbal, em tempos considerado como ‘zona vermelha’, numa alusão à predominância de simpatizantes de esquerda e tenazes opositores do Governo Marcelista.

Carlos Beato diz que “o mais importante foi acabar com a ditadura” e por isso não vacila em afirmar que “não há qualquer comparação com o que se vivia há 48 anos”. “Basta pensarmos que antes do 25 de Abril as mulheres nem sequer eram cidadãs de pleno direito. Eram vítimas sem direito a voto que, tal como a maior parte dos homens, estavam impedidas de participar na construção do próprio país. Muitos jovens não sabem, mas a repressão da liberdade individual chegava ao ponto de obrigar a uma autorização para contrair matrimónio. Eu, para me casar, precisei de autorização do Estado”, conta.

O antigo capitão de Abril não tem dúvida em afirmar que hoje tudo é melhor, desde a habitação, as acessibilidades, os transportes… “A autoestrada que existia em Portugal em 1974 ligava Lisboa ao Carregado. Apenas isso. No distrito de Setúbal qualquer viagem que agora se faz em 20 minutos poderia demorar quase duas horas. No meu tempo, para ir para a escola, entre o Porto Alto e Samora Correia, tinha de passar a pé por entre touros bravos. Hoje, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é dos mais evoluídos do mundo, mesmo que muitos ainda se queixem”, refere.

É precisamente sobre o SNS que a presidente da Sedes de Setúbal (uma associação que reúne vontades e ideias em prol do distrito), Andreia Lima, faz incidir a sua apreciação. “A principal conquista do 25 de Abril, cimentada em 25 de Novembro de 1975, foi a instauração de um estado de Direito em Portugal e, com ele, a liberdade individual de todos os portugueses”, salientou, antes de se centrar nas questões da saúde. “Do ponto de vista da saúde os principais indicadores demonstram uma evolução muito significativa. Em 1974 a taxa de mortalidade infantil era de 37,9 por 1.000 nascituros. Em 2020 era apenas de 2,4 por 1.000 nascituros”, disse.

Após elogiar a criação do SNS em 1979, Andreia Lima refere, contudo, que “apesar dos avanços obtidos, o sistema de saúde não tem acompanhado a evolução sociodemográfica do país”. “O envelhecimento da população, apesar de desejável, também constitui um desafio em termos de saúde. As doenças crónicas e do foro mental, sobretudo associadas à demência, têm vindo a aumentar e não têm tido correspondência, por exemplo, na oferta dos cuidados continuados”, acrescentou.

A presidente da Sedes esclarece também que “saúde e cuidados de saúde são coisas muito diferentes”: “Os cuidados de saúde são o sistema que nos permite recuperar a saúde quando estamos doentes e são o nosso último recurso. São, portanto, conceitos diferentes”.

“Mais do que os cuidados médicos, a saúde depende das políticas que influenciam o mundo à nossa volta. Habitação, transportes, qualidade do ar e da água e um rendimento mínimo condigno são determinantes e essenciais para a saúde e o bem-estar”, explicou.

 

Sindicato diz que grandes empresas violam regras laborais

É sobre o bem-estar laboral que incide o discurso do presidente da União Geral de Trabalhadores (UGT) de Setúbal, Manuel Fernandes. Para este sindicalista, mau grado todas as conquistas obtidas após a revolução, torna-se agora “imperioso travar o crescente desrespeito pelas leis laborais e direitos dos trabalhadores a que se vai assistindo por todo o distrito, sobretudo nas empresas de maior dimensão”.

“A nível institucional as liberdades e garantias dos trabalhadores melhoraram bastante. O sindicalismo acredita no Estado de Direito, apesar de existirem crescentes dificuldades a nível empresarial. Direi mesmo que se generalizou, por parte das empresas, o incumprimento dos contratos de trabalho e que dificultam a vida dos trabalhadores. Esta constatação é verificada com o crescente aumento de denúncias que recebemos, sejam de pessoas sindicalizadas ou não”, afirmou.

Manuel Fernandes aponta ainda aquilo que considera ser “o abandono do ideal de Abril” por parte de algumas autarquias. “Aqueles cujos partidos se mantém há mais tempo em determinados concelhos parecem ter cristalizado. Não cumprem muitas regras, decidindo a seu bel-prazer mesmo quando não possuem maioria. Falta, portanto, cultura democrática”.

António Reis Marques, 95 anos, natural e residente em Sesimbra, será dos homens mais velhos do distrito. Não se refere diretamente à cultura democrática aludida por Manuel Fernandes, mas afirma que a revolução trouxe, principalmente, mais liberdade de expressão. Atualmente, já não são importunados pelas autoridades os grupos de três ou quatro pessoas que anteriormente se juntavam para conferenciar, nem que fosse sobre o estado do tempo. “Criaram-se infraestruturas. Em Sesimbra até se fez a escola secundária, que dantes não existia. Agora há melhores estradas e o acesso à saúde generalizou-se a todos”, referiu o antigo técnico de contas que trabalhou no município e no centro de saúde da sua terra.