Sítio Comporta-Galé, Rede Natura 2000, a um passo de ser arrasado do mapa

É realmente assustador, o que se visualiza nas imagens de satélite, entre Alcácer do Sal e a Comporta.

São milhares de hectares de Rede Natura 2000, completamente destruídos, arrasados, para mais projetos agrícolas intensivos. A acontecer poderá ser o fim da Rede Natura 2000 nesta região.

Refere o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, que a Rede Natura 2000 é uma rede ecológica para o espaço da União Europeia e tem por objetivo “Contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos tipos de habitat naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu”.

As zonas especiais de conservação da natureza (ZEC), foram designadas ao abrigo da Diretiva Habitats (92/43/CEE, do Conselho de 21 de Maio), com o objetivo de assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitat naturais e das espécies da flora e da fauna selvagens, que não aves, nem estado de conservação favorável.

Ou seja, são objetivos fundamentais “a conservação dos habitats naturais, da fauna e da flora selvagens.

O Sítio Comporta-Galé é um dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica mediterrânica, e tem cerca de 32.051 hectares de área.

Destes 32.051 hectares mais de 1200 hectares estão associados a projetos turísticos ou a alguns aglomerados urbanos, e cerca de 4800 hectares estão a ser utilizados para explorações agrícolas, em que alguns são de duvidosa sustentabilidade ambiental e social.

Ou seja, dos 32.051 hectares de Rede Natura 2000 praticamente 20% estão irremediavelmente comprometidos, cerca de 6.000 hectares.

Há espaço para mais investimentos? Claro que não.

Possivelmente nem alguns existentes vão conseguir ter sucesso com o enorme problema da escassez da água.

Só na SEC Comporta -Galé os projetos no terreno são três vezes mais do que o mar de estufas existente no Parque Natural da Costa Vicentina.

Sublinho bem, mais de 6000 hectares de produção agrícola e turística em plena Rede Natura 2000, na Comporta, ao invés de 1600 hectares de estufas em Odemira.

Não há conservação de natureza que aguente, nem vai haver água para tanto, quanto mais para os querem ainda instalar-se. Segundo noticias recentes está a preparar-se um megaprojeto agrícola, para acabar com o resto.

Se for assim poderá será o fim do Sítio Comporta- Galé entre Alcácer do Sal e a Comporta.

É que, ao contrário de Odemira, na Comporta os regadios não resultam de nenhum aproveitamento hidroagrícola, mas sim são alimentados por poços de bombagem, alimentados por aquíferos, que vão comprometer irremediavelmente os lençóis freáticos.

Se a agricultura continuar a evadir o território da rede natura 2000 na Comporta/Alcácer do Sal, haverá aumento da salinização, com contaminação das linhas de água e dos aquíferos. Depois não venham alguns autarcas pedir medidas ao governo para combater a seca, quando são os principais responsáveis pelo seu território.

É preciso não esquecer que é ao Município que cabe autorizar os investimentos no seu território. É este que tem sempre uma palavra a dizer.

E é ao Município que cabe disser “o nosso Concelho já não aguenta mais investimentos desta natureza, pois os nossos recursos hídricos já são bastante limitados, e não podemos comprometer as gerações futuras.

Mas também cabe ao ICNF, Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas atuar com rigor e responsabilidade.

Seria incompreensível, que se continuasse a autorizar projetos desta natureza, em plena Rede Natura 2000.

Se aumentar os regadios da Comporta, alimentados por sistemas de bombagem através de água subterrânea, vai inevitavelmente haver inversão do fluxo de águas subterrâneas da massa de água a jusante- Oceano Atlântico, o que levará ao aparecimento de águas com elevado teor de sal, com a consequente contaminação dos aquíferos, comprometendo o futuro de quem vive e trabalha nesta região.

Aliás, já há algum tempo, que alguns pequenos agricultores da zona da Comporta, se queixam da salinização das águas, da erosão dos solos, com a perda de biodiversidade e a consequente destruição de habitats.

Com o País em seca extrema e severa, a eminente contaminação dos aquíferos resultantes dos nutrientes e fitofármacos pode não só afetar a área agrícola existente, mas também as populações que podem ficar impossibilitados do seu uso.

Além do mais é importante verificar se as desmatações recentemente realizadas não afetaram irremediavelmente espécies vegetais consideradas prioritárias pela Diretiva Habitats,  da flora natural, a “ Armeria Rouyana , que é um endemismo português, ou a Thymus Capitatus.

Se a questão da água é crucial, em que derivado das alterações climáticas, as precipitações são cada vez mais reduzidas, nomeadamente na “bacia do Sado”, a agricultura intensiva não é sustentável e põe em risco um património natural importante como é a ZEC- Comporta- Galé.

Cabe a todos, mas especialmente aos autarcas desta região, bem como à ARH Alentejo e ao ICNF, parar de vez com estas intenções prejudiciais à natureza e ao futuro dos cidadãos.

Paulo do Carmo
Presidente da Quercus Setúbal