Não são prestadas contas há oito anos. A dívida, conforme foi reconhecido esta semana, já ultrapassa os 500 mil euros. Em caso de encerramento, os utentes só poderão ir para outras instituições após novos acordos com a Segurança Social.
São de desespero e angústia os momentos por que passa a Casa do Povo de Sesimbra. A instituição, que presta apoio social a cerca de duas centenas de crianças e idosos, está falida. Tem dívidas superiores a 500 mil euros, obras urgentes para realizar, sob pena de partes do atual edifício serem consideradas impróprias para estas atividades sociais. Já houve ordenados em atraso e os deste mês não poderão ser pagos na totalidade. As contas não são apresentadas desde 2015. Também falta pessoal para desempenhar as tarefas contratualizadas.
Em Assembleia Geral realizada na noite da passada terça-feira, o presidente da Casa do Povo de Sesimbra, Florival Cardoso, que anunciou a intenção de não se recandidatar (a restante direção está disposta a assumir a responsabilidade), informou que a dívida da instituição é já superior a 500 mil euros, sendo que 100 mil dizem respeito a uma hipoteca do terreno da sede. “Era expetável que o atual presidente se demitis- se, mas isso não aconteceu e ficou agendada nova Assembleia Geral para breve”, disse ao Semmais uma fonte ligada aos profissionais da instituição, os primeiros a levantar a situação de crise da Casa do Povo de Sesimbra e a manifestaram-se publicamente.
“A situação é efetivamente grave”, diz ao nosso jornal a vereadora sesimbrense Felícia Costa, a quem um grupo de funcionários se dirigiu, em dezembro passado, para expor alguns dos problemas da instituição. “Os funcionários tinham nessa altura em falta os pagamentos dos subsídios de férias e Natal e o vencimento de dezembro. Na conta da instituição estavam disponíveis 160 euros. Tudo o resto estava congelado, por ordem do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que assim tentava recuperar parte das dívidas”, adiantou.
E quanto deve a Casa do Povo de Sesimbra? De acordo com a vereadora “não se sabe ao certo quanto será. À Segurança Social serão mais de 300 mil euros, mas depois há outras. A empresa que estaria encarregue de apresentar as contas anuais, por exemplo, diz que não as faz porque é credora de 9.000 euros. Depois há fornecedores…”, avançou a autarca.
Câmara de Sesimbra alimenta crianças e idosos
A intervenção da câmara municipal, que não pode injetar dinheiro numa instituição privada, como é o caso, permitiu que fosse apresentado um plano de pagamentos, em articulação com a direção do Centro Regional de Setúbal da Segurança Social. E com o dinheiro entrado (verbas pagas pelos utentes) ainda se saldaram alguns montantes devidos aos funcionários. Mas a situação, que Felícia Cos- ta considera “dramática” e “não episódica” continuará a tender para o agravamento. “As despesas anuais, onde já se incluem os 1.900 euros mensais que o Instituto de Gestão Financeira retém automaticamente, são de cerca de 60 mil euros. As receitas, por sua vez, são de apenas 38 mil”.
Desde dezembro que a câmara de Sesimbra está a fornecer cerca de 110 refeições diárias às crianças e idosos sob a responsabilidade da Casa do Povo local. “É o que podemos fazer, uma vez que legalmente não podemos injetar dinheiro numa associação privada que nem sequer apresenta contas”, disse a vereadora responsável.
A comida, paga pelo município, é confecionada por outras duas IPSS do concelho. Já a assistência domiciliária aos idosos é algo mais preocupante. É que, devido às dificuldades financeiras, muitos dos funcionários da instituição estão de baixa prolongada. Assim, em vez de se proceder há higienização duas vezes por dia, como é de lei, apenas se faz esse serviço uma vez.
Mas há mais. Neste momento, o edifício sede encontra-se bastante degradado em vários setores, nomeadamente na cozinha. Não há dinheiro para as reparações e ninguém garante que uma inspeção mais rigorosa não determine o encerramento do espaço. Também ninguém sabe quais os exatos termos da hipoteca sobre os terrenos.
Segurança Social ‘aguarda’ desfecho final
“As respostas no concelho estão esgotadas. Em caso de encerramento, a única solução que se vislumbra é um acordo entre a Segurança Social e outras IPSS, de modo que as pessoas ali possam ser tratadas. Mas isso obriga a novos contratos de financiamento entre o Estado e as direções dessas instituições”, refere ainda Felícia Costa, recordando que, por falta de apresentação de contas, a Casa do Povo também não se pode candidatar aos diversos programas que subsidiam instituições do género.
O Semmais contactou também a Segurança Social para saber qual o ponto da situação da instituição. Foi respondido que “a casa do Povo de Sesimbra tem um acordo autorizado pelo Instituto de Gestão Financeira para pagamento da dívida, que se encontra a ser cumprido na presente data”.
A mesma entidade refere que “não foi, até ao momento, forma- lizada qualquer intenção de encerramento do estabelecimento” e que, “a ocorrer eventual encerramento, a integração e ou encaminhamento de utentes carece de análise casuística atendendo à tipologia de respostas sociais envolvidas”.
A Casa do Povo de Sesimbra tem 12 crianças em creche, apoia 50 no pré-escolar e tem 40 no ATL. Presta apoio domiciliário a 25 idosos, tem 50 em centro de dia e o serviço de refeitório/cantina social inclui 15 utentes.
Não foi possível recolher qualquer opinião do presidente ainda em exercício, que também não respondeu às questões por escrito enviadas pelo Semmais.