Luís Madureira celebra carreira na Casa da Música Jorge Peixinho

Senhor de um extenso trabalho enquanto ator, cantor e professor, a sua carreira motiva um concerto que, promovido pela Mascarenhas-Martins, estreia esta quinta. Num intervalo dos ensaios de “Modéstia à parte”, o artista partilhou com o Semmais como tem construído o seu percurso.

Nasceu em Tomar, estudou em Lisboa e Londres. Quando é que, nos seus 50 anos de carreira, os caminhos se cruzam com o distrito de Setúbal?

A minha primeira lembrança são uns concertos que fiz numa digressão a convite da Secretaria de Estado da Cultura. Contudo, a ligação estreitou-se definitivamente por culpa do Joaquim Benite, quando este me convidou para trabalhar junto da Companhia de Teatro de Almada. Nestes anos de carreira, talvez há uns trinta, também tenho acompanhado atores ou atores-cantores com os quais trabalho canções, mas sobretudo o texto das peças e foi isso que o Joaquim pediu, um ano antes da morte dele, em 2012. Não posso deixar de referir, que antes de começar a trabalhar regularmente com a companhia, já tinha estado por cá esporadicamente, também a convite do Joaquim Benite, para participar em alguns festivais. Lembro-me, principalmente, de um trabalho com o Luís Miguel Cintra e com o pianista Nuno Vieira de Almeida, em que trabalhamos canções de Falla e Lorca num dos festivais. Depois disso fiz um recital, também a convite do Joaquim, com textos de Brecht e de outros compositores, com a Teresa Gafeira e com os pianistas Jeff Cohen e Francisco Sassetti.

Como é que nasce, então, esta proximidade com a companhia montijense Mascarenhas-Martins?

Chego aqui por casualidade. Eu já conhecia o Levi (diretor da companhia) do Teatro de Almada, mas isto acabou por ser despoletado quando fiz um espetáculo com a Cucha Carvalheiro no Cinema-Teatro Joaquim de Almeida, aqui no Montijo, encenado pela Sandra Faleiro, em 2018. No fim trocámos algumas impressões com o público e teci algumas considerações sobre o que eu acho que deve ser o trabalho sobre a voz, o texto e os atores e referi, na altura, que estava disponível para vir cá. Foi então que me convidaram para representar um texto escrito pelo Miguel Branco. Aí começou o nosso trabalho.

Que métodos de trabalho tem desenvolvido e que procura passar?

Aquilo que tento ensinar corresponde, exatamente, à minha prática diária. O que é compreender um texto? Compreender um texto, e tentar transmitir isso, é, antes de mais, compreender as ideias e depois trabalhar sílaba a sílaba, nota a nota, frase, período, parágrafo. Quando o trabalho é preciso, eu tenho uma característica, penso eu, de não perder a compreensão das ideias e que quem me estiver a ouvir compreenda tudo, se não perde-se tudo. Foi também esses ensinamentos que me pediram para passar aqui na companhia. Na minha forma de estar procuro perceber, logo nos primeiros momentos, o que é que o ator tem para me dar, não é o que o ator não é capaz de fazer, isso não me interessa nada, isso depois vai-se desenvolvendo. Todo o ator não lê o texto da mesma maneira e em teatro, especialmente, estamos a falar de personagens, com as suas características individuais. Uma boa distribuição de papéis passa, por exemplo, na minha opinião, por perceber o que é que o ator tem para dar naturalmente e não tecnicamente e a seguir, integrado no conjunto, ver se serve, ou não, aquela personagem. A partir daí tem de haver um trabalho cirúrgico e laborioso da compreensão do texto e da sua elocução.

Considera-se, por isso, uma pessoa exigente e minuciosa?

Muito, sobretudo comigo. Acho que se não for assim não se avança. Fui muito bem ensinado nesse aspeto, tive a sorte de conhecer muitos músicos portugueses e professores que foram extraordinários para mim e minuciosos, sem dúvida nenhuma. Até mesmo a improvisação dá trabalho. Não acontece sem termos estruturas. Mesmo a improvisação musical tem de obedecer a regras de cânones estabelecidos e só depois é que podemos brincar com isso.

Como reagiu quando recebeu este convite para criar um espetáculo alusivo aos seus 50 anos de carreira?

Fiquei muito feliz, naturalmente. Já decidi há uns anos, em especial desde que comecei a colaborar com a companhia, que só gosto de trabalhar com pessoas calmas, que são puras de espírito, clarividentes na análise do texto e que arriscam, porque produzem coisas que não estão, digamos, nas normas da maioria das salas de espetáculos, onde um dos objetivos principais é atrair público e encher salas. Naturalmente que temos de saber atrair o público, mas acho estranho que se tenha perdido algum sentido da descoberta. Felizmente nesta casa não se perdeu. É uma casa que exige ao público uma série de coisas. Porque experimentar, dar a ver e sem ter retorno do público? Não é por isso que temos de fazer espetáculos fáceis, para encher a sala mais de 50 vezes. Talvez seja por isso que eu não seja tão conhecido. Nunca cedi à coisa fácil. E é isso que eu tenho aqui na Mascarenhas-Martins.