Na festa do populismo

Com mais de um milhão de votos angariados nas eleições de domingo, já não é possível fazer de conta que o populismo do Chega não existe e deve ser banalizado. Antes pelo contrário, já fazia parte do sistema e agora reforçou essa integração.

Este fenómeno, cujo fermento está mais ou menos identificado e radica, em grande parte, na incapacidade de os partidos tradicionais se (re)ligarem e fazerem face a alguns dos anseios de parte significativa do eleitorado, tem lastro dentro e fora do país. É este o problema e é esta a inevitabilidade.

Não sendo um problema português em si mesmo, o populismo tem-se assumido como uma espécie de sombra da democracia liberal, onde assenta o conjunto de valores, princípios e modos de vida que a sociedade ocidental tem vindo a consolidar. Essa deriva tem que ser tida em conta e analisada no contexto atual, onde o nosso mundo alargado carrega riscos, perigos, desvios, ameaças e incertezas.

No caso português, para além de maleitas comuns ao espaço europeu (imigração, insegurança, inflação e um estado social escasso para as necessidades galopantes de uma sociedade envelhecida e desigual) há, convenhamos, um imenso voto de protesto a insuflar este crescimento dos extremistas do Chega, tal como se verificou em décadas recentes, com os movimentos que ganharam força na esquerda radical e, até, em movimentos ecológicos ou, como se tem visto atualmente, com os grupo de ativismo climático.

O problema é que estes não parecem ser epifenómenos, que enchem e esvaziam assim tão facilmente. São novas ordens que ganham sustentação e apoios populares de grandes franjas de população mais descontente, num caldo de cultura sem identidade, que aglomera e concentra uma multidão de gritos, de causas e de revoltas.

É este paradigma informal, agigantado pela demagogia do “está tudo mal”, da “limpeza” e do “virar do avesso” que circula ao micro segundo no mundo virtual, que é assustador, sobretudo numa comunidade como a nossa que gosta de estabilidade e tem um grau de moderação acima da média europeia.

O que fazer agora com esta imensa mole de descontentes é a grande questão.

Diria que é preciso dar respostas sem ‘quebrara-espinha’ no que toca aos avanços civilizacionais. E desfazer a ideia que o modelo radical (que altera a nossa morfologia comum) defendido e muitas vezes escondido pelas cúpulas do Chega é o caminho progressista que nos defende das ameaças e riscos. E combater as mentiras, as falácias, as hipocrisias e as demagogias que enfermam a ação programática destes mentores da disrupção social e política.

Cabe-nos tornar claro, de forma vigilante, que a realidade das últimas eleições não tolde a capacidade de empreender novas respostas, novos desafios, de modo a que o nosso modo de vida progrida sem ruturas, sob pena de nos arrependermos num futuro próximo.