Escutas e segredo de justiça

Sempre me faz confusão a vinda a público de escutas telefónicas, que mais não fazem que devassar, de forma indigna, a privacidade dos cidadãos e, em casos extremos, agitarem as águas políticas.

Este expediente, ao abrigo dos cânones do nosso ordenamento jurídico e a coberto de investigações sérias e bem orientadas pela justiça – no caso o Ministério Público e os juízes que autorizam as mesmas – são absolutamente necessárias em determinados casos, nomeadamente em crimes de colarinho branco e redes de tráfico. Mas não vale tudo.

É um risco demasiado grande para a democracia e para o Estado de Direito, sem que se veja um ponto de ordem à mesa, antes pelo contrário, porque o segredo de justiça é coisa que não existe no nosso país. Os agentes judiciais toleram, os media cavalgam e permite-se, a toda a hora, que muitos dos direitos inalienáveis de muitos de nós sejam trespassados de uma forma tão leviana.

Aqui, sim, seria urgente promover uma reforma que condenasse de forma singular, não só a publicação destas escutas, como a sua destruição e a sua utilização com regras em matéria investigativa.

Os casos agravam-se com figuras públicas, ao serviço do Estado, com anos de escutas alegadamente autorizadas por juízes que estão obrigados a usar a ferramenta de forma criteriosa e com resultados objetivos e concretos. Isso não acontece.

As nossas vidas privadas estão em causa e os interesses do Estado também, porque não é admissível que escutas sem resultados factuais para o que interessa numa investigação possam pular, sem escrutínio, de mão para mão, e tornaremse valor-notícia e virais com conteúdos sem interesse público.

É hora de acabar de vez com esta lamentável guerrilha numa justiça que atua sem limites, como se pudesse tudo e em todos os tempos.