“O requisito para a vitalidade de um sistema cultural, como de qualquer ecossistema, é a preservação da diversidade”. Cito esta frase do livro “Como o ar que respiramos. O sentido da cultura”, de Antonio Monegal, leitura recente. O que o autor tenta é, de alguma forma, conciliar os dois conceitos de cultura mais utilizados: o antropológico, amplo, que se refere a costumes, tradições, enfim, a diversidade de manifestações tipicamente humanas; o mais estrito, que se refere mais especificamente à produção artística nas suas diferentes vertentes.
Como o título do livro indica, Monegal propõe que se pense esse conceito total de cultura como uma espécie de substrato da experiência humana, base para que cada indivíduo ou comunidade sinta que a vida tem sentido.
Parte da sua preocupação vem da constatação de uma ameaça à diversidade, que não parece que possa ser resolvida sublinhando as diferenças entre as duas maneiras de entender e definir cultura, mas sim a partir de um pensamento holístico, sensível à necessidade de gestão política do ecossistema humano.
A preservação da diversidade do ecossistema depende, com frequência, de uma intervenção consciente na protecção do que é frágil. E é evidente que o que continua a precisar de ser protegido é o que é minoritário, não particularmente pelo risco de extinção — acredito que aquilo que continuar a fazer sentido existir, irá continuar a existir nem que seja de forma clandestina, precária, militante —, mas para garantir que existe em condições de liberdade.
Penso que esse é um dos aspectos mais sensíveis sobretudo neste momento histórico em que existe, no ar, uma permanente ameaça à liberdade. Basta consultar programas eleitorais para perceber que na extrema-direita existe, no que à cultura diz respeito, o desejo de uma instrumentalização da mesma com inspiração naquilo que foi desenvolvido enquanto política cultural no Estado Novo.
O que isto significa, concordando com Monegal quando defende que a cultura é que dá sentido à vida, é que existem formas opostas de a gerir: uma com a preocupação de garantir que o sentido que cada comunidade atribui à sua vida depende do contacto com a diversidade do ecossistema, o que garante liberdade de escolha; outra, que ao condicionar o ecossistema, numa tentativa de limitar a diversidade, pretende fazer uma gestão das possibilidades individuais.
O que é preocupante é que a segunda surge, com frequência, associada à lógica de “dar às pessoas o que as pessoas querem”, como se o desejo fosse estático, imutável e, mais do que isso, um mero dado estatístico. Penso que nunca é demais sublinhar que o trabalho que desenvolvemos na Mascarenhas-Martins sempre se baseou em contribuir para a diversidade do ecossistema e, com isso, para proteger a liberdade de escolha.