Na Costa e na Fonte da Telha restam seis “companhas” de arte-xávega

Pescadores querem novos horários para poderem capturar espécies mais valiosas. Estão impedidos de ir ao mar durante o dia. Reclamam também a construção de uma lota no estuário do Tejo para evitarem deslocações ao MARL.

A arte-xávega é um dos cartões de visita da Costa da Caparica, Almada. Forma secular de pescar tem vindo, no entanto, a ser cada vez menos praticada. Atualmente, entre a cidade e a Fonte da Telha subsistem apenas seis “companhas”, nome dado ao conjunto de homens, tratores e embarcação que vão ao mar. Quase restringida ao período noturno, esta arte debate-se com uma crescente incapacidade de capturar as espécies mais valiosas, sendo frequente os armadores e os pescadores não conseguirem vender em lota o pescado capturado.

“O principal problema é não se poder pescar durante o dia em áreas concessionadas. Os barcos só se podem fazer ao mar entre as 18h00 e as 8h00, uma vez que utilizam as praias, as zonas balneares, que estão repletas de banhistas. Esse período não é bom para as espécies mais valiosas, como a sardinha e a lula. Assim, a maioria dos barcos regressa a terra com carapau e, sobretudo, cavala. Esta última espécie acaba, na maior parte das vezes, por não ser vendida em lota e tem como destino as fábricas de rações para alimentação de outras espécies. Um quilo acaba por ser vendido por 30 cêntimos, o que é manifestamente pouco para o trabalho e as despesas inerentes”, explicou ao Semmais o dirigente do Centro de Arqueologia de Almada e antigo pescador, Francisco Silva.

O mesmo responsável acrescenta, por outro lado, que mesmo nas áreas não concessionadas, subsistem problemas para as cerca de duas centenas de pescadores que ainda existem na região: “Esta forma de pesca implica sempre a utilização de quatro tratores em cada ‘companha’. São utilizados dois para puxar a rede, um para manobrar o barco e outro para transportar o pescado até à lota. Acontece, no entanto, que na maior parte destes locais não concessionados não existem acessos para os veículos. Depois, como nem sempre existem compradores em quantidade na lota, torna-se necessário fazer uma segunda venda no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), em Loures. Deixa, portanto de haver capacidade de escoamento a preços competitivos”.

Classificação garante salvaguarda da atividade

Apesar do número de pescadores estar a reduzir ao longo das últimas décadas, o dirigente do Centro de Arqueologia de Almada entende que a arte-xávega não irá desaparecer dos locais onde ainda se pratica, nomeadamente no conjunto de praias localizadas entre a Costa da Caparica e a Fonte da Telha. É que a atividade foi classificada como Património do Inventário Nacional em 2017 e tal facto permite-lhe sempre beneficiar de condições de subsistência, não podendo ser proibida ou abolida.

“Atualmente, apesar de só existirem três ‘companhas’ na Fonte da Telha e outras tantas na Costa da Caparica, cada uma com 15 a 20 pescadores, constatamos que há muita gente nova. A maior parte dos armadores tem até 50 anos. Mesmo sendo uma atividade sazonal, que se processa entre abril e dezembro, os pescadores conseguem ter outros trabalhos. Muitos, durante o período em que não é possível irem ao mar, pescam no Tejo com outras artes”, adiantou Francisco Silva.

O mesmo interlocutor entende, no entanto, que ainda há algo mais a fazer em prol da arte-xávega do que arranjar horários compatíveis com a captura das espécies mais valiosas; “Seria bom que se criasse uma lota no estuário do Tejo para que se atraíssem mais compradores e se evitassem as deslocações ao MARL e as vendas sucessivas para as fábricas de rações. Mas também em terra, junto às praias, é preciso criar outras condições de trabalho. É preciso, por exemplo, criar espaços para os tratores e outros para a manutenção das redes”.