E SE em vez de lhes chamarmos apoios começarmos a falar de investimento? É que, de um ponto de vista de política cultural, os apoios às artes (DGArtes) são, na realidade, um contributo essencial para a oferta artística e cultural em todo o país. Aquilo que não são, embora quase sempre assim sejam vistos pela maioria da população e por uma parte considerável dos decisores, é apoios aos artistas.
É verdade que são os artistas, estruturas de criação e programação a receber e gerir financiamento do Estado (e das autarquias) para fazer o seu trabalho, mas este trabalho existe enquadrado numa lógica de desenvolvimento do país, sendo claro (será ainda preciso prová-lo?) que uma sociedade com uma relação mais regular e profunda com as artes é uma sociedade mais aberta, informada, crítica, criativa, sensível. A capacidade de se desenvolver este tipo de trabalho de forma consequente depende, como é lógico, de uma certa estabilidade das entidades e dos seus profissionais.
De outro modo, a actividade principal das entidades que se dedicam à criação artística e à programação cultural passa a ser a de arranjar forma de sobreviver, tendo para tal poucas opções: abastardar o seu trabalho para ir ao encontro do gosto médio do público (expressão horrível, mas sim, este tipo de lógica ainda existe e é eficaz – veja-se muita da ficção televisiva que tem mais audiências); procurar ir ao encontro dos interesses de programadores ou equipas de autarquias, no sentido de ajustar o tipo de produção que se apresenta (abdicando, assim, do que a meu ver seria verdadeiramente de interesse público: liberdade e autonomia criativa); tentar conciliar várias actividades profissionais em simultâneo para conseguir subsistir (com a consequência de, deste modo, dedicar muito pouco tempo ao trabalho de criação, prejudicando-se assim o público, que deveria ter direito a assistir a produções desenvolvidas nas melhores condições possíveis).
Será, em 2019, assim tão arrojado defender-se que cada território tenha uma ou várias estruturas a trabalhar nas diversas áreas artísticas, mesmo que para tal o Estado e as autarquias tenham de investir nelas uma parte (ínfima) dos seus orçamentos? Não deveriam ser já evidentes as vantagens que a permanência e estabilidade destas entidades têm não só para os públicos, mas também para outros sectores da economia local, entre restauração, hotelaria, serralharia, carpintaria, informática, etc.? Tudo isto para além de um factor difícil de medir, mas para o qual o papel dos artistas e agentes culturais sempre foi crucial, que é o de gerar uma determinada dinâmica criativa que acaba não só por influenciar toda a comunidade, mas também por contribuir para a construção da identidade das cidades, ou dos territórios, e para estes se conseguirem projectar para o exterior.
Dito isto, os resultados provisórios dos programas de Apoio Sustentado 2020-2021 da DGArtes revelam que o Governo não compreende estas linhas de financiamento como um investimento em Portugal, mas sim como um custo.
Ignorando as recomendações dos próprios júris para que a dotação orçamental fosse aumentada – dada a quantidade e qualidade das candidaturas – decidiu ainda reter os resultados, que tinham sido decididos em Agosto, até à semana depois das eleições. Se a cultura tivesse hoje o lugar que deveria ter na sociedade portuguesa, a maioria da população repudiaria estas acções de forma veemente. Não tendo, cabe-nos, agentes culturais e artistas, trabalhar para que o sector comece a ser visto como fundamental para sustentar aquele que é, sem dúvida, um dos pilares da democracia.
Levi Martins
Diretor da Companhia Mascarenhas – Martins