A gestão conjunta dos Portos de Lisboa e Setúbal

Pela importância que me parece merecer o assunto, sirvo-me de matéria publicada há poucos dias num jornal diário de âmbito nacional, a título de minha opinião. Por questões de espaço não o reproduzirei na totalidade, apenas reservando a parte que importa reter.

A propósito digo, que apesar de prenunciadas algumas intenções para a criação de uma administração comum entre a APSS e a APL, a mesma veio a concretizar-se após a publicação do Decreto-Lei nº 15/2016, de 9 de março. Medida que levada à prática pelo Ministério do Mar, a meu ver, pelos resultados (ou pela falta dos mesmos), se julga ter sido um erro que importa reverter.

Na justificação do meu ponto de vista, comecei por evidenciar questões ligadas ao próprio Decreto-Lei. E de seguida abordei com o conhecimento de outras situações congéneres, no país e no estrangeiro, evidenciando o que me parece ser uma má solução. E por conseguinte, o que pode ser uma solução racional e eficaz na presença de portos mais pequenos e com menos importância regional, tendo em conta a história, a dimensão e o significado do Porto de Setúbal, não encontra paralelo em países onde foi feita a gestão conjunta, tentada na atual circunstância. Mesmo à luz do denominado conceito de cluster port, no sentido do benefício de agregar sob uma única administração, portos com sobreposição de hinterland (área de influência de negócio), não nos parece ser boa solução na presente situação. As coisas não se podem fazer por decreto e exemplos não nos faltam, mesmo no estrangeiro. Veja-se o que se passa com os portos belgas de Antuérpia e Zeebrugge (este sendo um porto especializado no transporte ro-ro, com destaque para os automóveis), onde decorridos dois anos de discussões exploratórias e um estudo feito por consultoras, se prevê ainda mais dois anos para que se concretize uma possível “fusão”. Isto atendendo a benefícios futuros, como a digitalização e a uma transição para formas de energia mais ecológicas.

Setúbal, a cidade e o porto merecem uma administração autónoma e independente, até porque o Porto de Setúbal, sendo o quarto porto em movimentação de carga, tendo ultrapassado as 8 milhões de toneladas de carga movimentada em 2014, persegue o objetivo de deixar de ser um porto enquadrado na rede Comprehensive e passar a fazer parte da rede Core de portos da EU. É o principal porto de carga roll-on/roll-off e um dos mais importantes em carga geral fracionada no nosso país. Um porto que movimenta carga rica, que corresponde a uma região de importação/exportação, consequência da localização de grandes unidades industriais e de satisfazer uma larga zona de consumo em Portugal. Um porto com possibilidades de aumentar o seu hinterland sem conflituar com outros portos nacionais, quer pela sua geografia quer pela natureza das cargas.

Somos de opinião que, num contexto mais vasto, o sistema portuário nacional deve ser visto como um todo global, complementar e integrado, capaz de responder aos desafios que se colocam em termos de competitividade com outros portos a nível mundial, mais particularmente com os portos ibéricos.

Acresce que, a especialização em certos tráfegos, que tem sido conseguida e consolidada em certos portos, deve ser aprofundada, permitindo uma maior competitividade com o exterior. Ao mesmo tempo, deve ser motivo disciplinador duma certa complementaridade entre os principais portos portugueses, rentabilizando-se os investimentos realizados e a sua capacidade instalada.

Em conclusão, parece-nos que nesta fase, seria útil aprofundar-se o aproveitamento das complementaridades na oferta portuária de Lisboa e Setúbal, numa lógica integrada de disponibilidade de recursos. Embora mantendo a sua autonomia, estes dois portos, dada a sua proximidade, valências disponibilizadas e grau de especialização, podem ter vantagens recíprocas numa ação conjunta de prestação de serviços portuários. Mas, a nosso ver, não numa lógica de gestão conjunta. E não de uma forma precipitada.

José António Contradanças
Economista