Vasco Firmino (médico): “Tratei muitos jovens obrigados a ventilação decúbito ventral”

O pneumologista Vasco Firmino foi dos primeiros clínicos a lidar com casos Covid no Hospital Nossa Senhora do Rosário, Barreiro, numa altura em que, conta, “não havia grandes fundamentos teóricos para enfrentar um inimigo desconhecido”.

A solução era uma “abordagem empírica”, que passava por tratar a insuficiência respiratória ministrando oxigénio e, em situações mais complexas e graves, o uso de ventiladores.

“Foram momentos muito complicados, porque sempre que se depara com agentes desconhecidos por parte da comunidade médica, há dúvidas e receios, mas à medida do conhecimento mais fino sobre o vírus e as suas complexidades, tudo foi sendo atenuado. Por exemplo, na atualidade, contamos com doentes em situação mais grave, mas já dispomos de uma abordagem e logística mais adequada”, explica ao Semmais.

Inicialmente, o tratamento ministrado passava por anti-malário designado por hidroxicloroquina, que se pensou ter algum impacto sobre a doença, mas sem resultados consistentes, pelo que foi posto de parte. Vasco Firmino explica que “tudo melhorou com a implementação da corticoterapia (à base de corticoides), com a qual se obtiveram resultados mais satisfatórios e, mais tarde, usando o remdesivir, que tem comprovada uma ação positiva, nomeadamente em benefícios que reduzem o número de dias de internamento”.

E lembra que, ao contrário do que ocorre atualmente, na primeira fase “tivemos poucos casos de evolução repentina da doença”, quando na atual situação, sobretudo na última quinzena, “há muitos doentes a evoluir muito rapidamente de situações relativamente estáveis para casos de muita gravidade”.

Na sua experiência pessoal teve que lidar com muitos doentes com idades entre os 25 e os 35 anos. “Foi complicado, porque se tratavam de jovens a necessitar de ventilação invasiva, em cuidados intensivos, muitas vezes agravado com a urgência de ventilação decúbito ventral”, que é o mesmo que dizer colocados em largos períodos de barriga para baixo.

Com a maior parte dos colegas a trabalhar entre 60 a 70 horas por semana, o médico do Centro Hospitalar Barreiro/Montijo, alude ainda à dificuldade de o corpo clínico fazer face à enxurrada de doentes Covid, uma vez que muitos colegas foram também infetados e, por consequência, afastados do serviço.

“Já se nota uma menor afluência de doentes que, à época, recorriam ao hospital independentemente do seu estado necessitar de urgência ou internamento. Não havia grande critério. Atualmente recebemos doentes com doença moderada ou grave, o que permite adequar melhor a logística dos espaços e os recursos humanos, num hospital que, ainda assim, tem a lotação de internamento Covid acima de 90%.