Há muita sardinha no distrito de Setúbal mas poucos pescadores

Há peixe em abundância, mas os pescadores estão em declínio. Os preços baixos geram onda de desânimo. Fábricas para transformar o pescado ficam a 400 quilómetros de distância.

A época da captura da sardinha abriu oficialmente esta segunda-feira. Para os pescadores associados na Sesibal (Sesimbra, Sines e Setúbal) este promete ser um ano de muita fartura em quantidade. O mesmo já não garantem, no entanto, em relação ao pecúlio financeiro a amealhar. É que sem interferência no preço de venda por quilo, arriscam chegar ao final da campanha com valores equivalente, por exemplo, aos que ganhavam há… dez anos.

“Enquanto os pescadores não tiverem uma palavra a dizer no que respeita aos preços, nunca haverá uma distribuição justa dos lucros. Para um pescador um quilo de sardinhas vale, entre 1,20 e 1,50 euros. No entanto, num restaurante, um terço desse quilo (seis sardinhas), são vendidas por oito euros. São os compradores nas lotas e os empresários de restauração quem ganham dinheiro com a faina e não os pescadores”, diz ao Semmais Ricardo Santos, presidente da Sesibal.

O problema económico que os pescadores da região têm vindo a denunciar, ano após ano, reflete-se, afirma Ricardo Santos, no futuro da atividade piscatória no distrito. “Hoje, em Setúbal, Sesimbra e Sines existem 12 cooperantes (embarcações) e cerca de 250 pescadores, dos quais 70 por cento têm mais de 50 anos. Isso quer dizer que os jovens não querem a pesca. Porquê? Porque não é possível, face aos preços de venda do peixe, pagar-lhes sequer o ordenado mínimo nacional”, explicou.

Os números não mentem e o presidente da Sesibal refere ainda que em 1982, só em Setúbal, havia 22 embarcações. “Chegaram a ser 35 e agora estão reduzidas, em toda a área, a 12, que estão a soro”, afirma o mesmo responsável, lembrando que uma traineira opera, por norma, com 20 pescadores. “Até para conseguirmos esse número foi preciso que, há cerca de seis anos, fossem contratados 30 pescadores indonésios. Se não fosse assim hoje eram menos duas embarcações a trabalhar”.

 

Fábricas a 400 quilómetros pesa nos rendimentos dos pescadores

Os responsáveis pelas embarcações com 18 ou mais metros de comprimento sabem que este ano, depois de cinco temporadas de repouso biológico que serviram para recuperar stocks, cada uma delas pode capturar diariamente, até 5 de junho, 2.900 quilos de sardinha. São valores considerados muito bons, mas que, de acordo com Ricardo Santos, também acabam por se revelar algumas debilidades. “A sardinha, depois de capturada, tem de ir para as fábricas e em Setúbal não existe nenhuma. Para levar o peixe para as conserveiras, em Matosinhos e Vila do Conde, é necessário fazer 400 quilómetros em cada sentido”.

“Os custos para os pescadores de Setúbal, Sesimbra e Sines são bem maiores. É boa a quota de sardinhas que este ano foi atribuída pela Europa, que são 35 mil toneladas, sendo que dois terços (mais de 23 mil toneladas) são para Portugal e o restante para Espanha, mas temos de ver que os associados da Sesibal não dispõe de meios para transformação à porta e, por isso, veem os seus lucros irem quase todos pela estrada fora”, refere o representante dos pescadores.

Integradas na Área Metropolitana de Lisboa, as empresas que poderiam resolver o problema das conserveiras em Setúbal não dispõem das mesmas facilidades económicas de outras empresas de outras regiões do país. “Aqui, na zona de Setúbal, 40 milhões de euros atribuídos pelos fundos comunitários, corresponde a 80 milhões noutras áreas, nomeadamente no Norte. É natural que os empresários se instalem nessa região e não em Setúbal”, adianta Ricardo Santos.

 

Sustentabilidade financeira pode resultar da pesca da cavala

Mesmo com os stocks de sardinha recuperados, a principal esperança dos pescadores do distrito continua mais centrada na cavala. O presidente da Sesibal entende que é este peixe, muito abundante nas águas nacionais, que pode estancar a hemorragia financeira dos pescadores, como ficou, de resto, provado nos últimos cinco anos.

“A cavala é capturada e vendida em grandes quantidades para os espanhóis que a utilizam como alimento para o atum de viveiro. É essa a fonte de rendimento, mesmo tendo em conta que um quilo de cavala custa, por norma, 25 cêntimos, ou seja, um sexto do que pode valer um quilo de sardinha e que o carapau que pode valer até 80 cêntimos o quilo”.

Ricardo Santos recorda que em anos anteriores, devido às restrições, houve pescadores que tiveram parados durante cindo meses, sendo que apenas receberam subsídio de desemprego durante um mês. “Ganhavam então 20 euros por dia”, disse.