Arte da captura de peixe-espada preto chegou a Sesimbra pelas mãos de um madeirense

Até à década de 1980 ninguém capturava em Sesimbra o peixe-espada preto. Hoje esta espécie é, juntamente com o bacalhau, a maior fonte de rendimentos da comunidade. Alguns pescadores querem que seja feita uma homenagem a quem ensinou a arte.

Algumas pessoas da comunidade piscatória de Sesimbra estão a movimentar-se para que possa ser prestada homenagem ao homem que, dizem, foi o grande responsável pela pesca de peixe-espada preto nas águas do concelho e, também, no resto do país. O homenageado, falecido há cerca de dois anos, era um antigo pescador proveniente da Madeira, que trouxe para o continente a apetência pela captura desta espécie, como também ensinou os demais a utilizarem as artes destinadas a apanhar um peixe que, até aos anos de 1980, era um quase desconhecido em Portugal.

“Chamavam-lhe Sá Carneiro, mas o nome dele era Luís Ferreira”, diz ao Semmais Carlos Alberto, homem de 71 anos que foi pescador e agora é taxista. “Foi esse homem, que era de Câmara de Lobos, na Madeira, que ensinou os pescadores de Sesimbra a apanharem peixe-espada preto. Hoje muitos são ricos, têm grandes casas e grande barcos, à custa do que o Sá Carneiro lhes ensinou”, acrescenta.

Victoriano Chumbau, pescador sesimbrense, conta que se lembra “vagamente” do pescador madeirense que, em sua opinião, “mudou para muito melhor” a vida da comunidade local. “Eu tinha uns 12 anos e lembro-me de o ver num barco azul, carregado de cordas. Foi ele quem ensinou aos outros como é que se pescava um peixe de grande profundidade”.

Até ao início da década de 1980 o peixe-espada preto era apenas capturado pelos pescadores madeirenses. Em Sesimbra, apesar das águas muito profundas, habitat natural da espécie, ninguém tinha as artes que permitissem a sua pesca. “O peixe-espada preto é apanhado a cerca de 700 braças de profundidade (mais de 1200 metros)”, diz Victoriano Chumbau, enquanto Carlos Alberto adianta que o pescador madeirense fazia as suas pescarias utilizando “grandes linhas, pedras pesadas e um grande número de anzóis presos ao longo da linha principal”.

Convencer os naturais de Sesimbra e dos arredores a consumir o peixe-espada preto foi o passo seguinte. Na região apenas se conheciam os exemplares brancos, os únicos que chegavam às lotas, às praças e aos supermercados. Carlos Alberto conta que foi ele quem levava, todas as semanas, Luís Ferreira (ou Sá Carneiro) a apresentar o produto nas casas comerciais de Lisboa. “Íamos de porta em porta, muitas vezes aos restaurantes de madeirenses, para vender o peixe. Ao mesmo tempo o Luís, que tinha um barco com um alador (instrumento que ajuda a içar para bordo a carga proveniente do mar) ia também ensinando aos outros pescadores os segredos desta faina. Foi por isso que muitos deles se tornaram ricos”, diz.

 

Sensibilizar a câmara para preitear quem ‘engordou’ a arte

Victoriano Chumbau afirma que, à semelhança do que já aconteceu em Câmara de Lobos, na Madeira, também a câmara de Sesimbra se devia empenhar em promover uma homenagem a Luís Ferreira. “Esta terra tem o hábito de esquecer aqueles que por ela fazem alguma coisa. Era justo que o homem fosse homenageado, até porque o peixe-espada preto, a par do bacalhau, é a maior fonte de rendimentos dos nossos pescadores”.

“Hoje os pescadores de Sesimbra vão deste o Cabo Espichel a Caminha a capturarem peixe-espada preto. Há cerca de 400 pessoas que vivem deste tipo de pesca e isso é devido ao madeirense”, conta. Já Carlos Alberto relembra que, apesar de na vila existirem muitos barcos, “ninguém aproveitava um recurso que se revelou uma forma de vida muito boa”. “Foi uma mina de ouro que veio para Sesimbra graças aquele homem a quem nunca foi reconhecido o devido valor”, afirma.

Atualmente existem 15 embarcações em Sesimbra que se dedicam à pesca do peixe-espada preto. Cada uma movimenta, entre terra e mar, cerca de 15 homens, estimando-se que o valor do pescado ascenda anualmente a mais de 10 milhões de euros.

A pesca do peixe-espada preto tem, para este ano, uma quota mais diminuta do que em anos anteriores. A União Europeia pretendia que a diminuição das capturas fosse de 20 por cento, mas, após negociações do Governo português, a diminuição cifrou-se apenas em cinco por cento. No ano passado terão sido pescadas nas águas do continente cerca de 2.241 toneladas deste peixe.