Câmara de Setúbal marcou reunião de emergência. Governo acusado de não cumprir promessas para reforço dos quadros clínicos. Doentes esperam oito horas por atendimento que deveria ser feito em 60 minutos.
O caminho para o caos há muito anunciado para o hospital de São Bernardo, em Setúbal, deu esta semana mais um passo em frente. Dos 90 médicos que exerciam funções de chefia, 87 seguiram a decisão tomada na passada semana pelo diretor clínico, e apresentaram a demissão. Nas urgências, onde há muito subsistiam as maiores dificuldades, aglomeram-se os doentes e os tempos de espera ultrapassam as oito horas. Entretanto, dos prometidos dez médicos para reforçarem o quadro, apenas chegaram dois.
A calma aparente que se depara a quem chega ao hospital e se dirige à área das consultas externas é de imediato desmentida assim que se chega ao serviço de urgência. Se na primeira quase não se veem pessoas, com as salas de espera quase vazias, no segundo daqueles setores a sobrelotação é evidente e o desânimo dos utentes está bem patente em cada rosto. “Não estou a aguentar isto”, “não têm capacidade para socorrer os doentes” e “é uma vergonha” foram algumas das expressões escutadas pela equipa de reportagem do Semmais.
“Estou aqui há oito horas e apenas passei pela triagem. Já não aguento com dores”, queixou-se um dos doentes interpelados. Um homem que tinha no pulso uma pulseira amarela o que, na teoria, significa que não deveria demorar mais do que uma hora até ser atendido. “Só ao fim de duas horas me chamaram para a triagem”, garantiu.
No mesmo serviço de urgência, conforme foi possível apurar, apenas estavam a trabalhar dois médicos.
Prometeram dez, mas só até agora chegaram dois médicos
O porta-voz do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Jorge Roque da Cunha, contactado pelo nosso jornal, confirmou o agravamento da situação no atendimento num dos principais hospitais do distrito. Falando sobre as demissões verificadas esta semana, disse: “Esta manifestação por parte dos médicos é o culminar de vários avisos que há muito tempo vêm a ser feitos”.
Na semana passada, depois de várias reuniões, o diretor clínico do hospital, Nuno Fachada, apresentou a demissão. Numa reunião realizada na véspera, a maior parte dos médicos garantiu que lhe iria seguir os passos caso o Ministério da Saúde não resolvesse alguns dos problemas mais prementes, nomeadamente no serviço de urgência onde, recorde-se, o Bastonário da Ordem dos Médicos veio a encontrar, numa visita ali efetuada, 48 pacientes deitados em macas espalhadas pelos corredores.
Apontando “falta de atitude por parte do Governo”, o responsável do SIM confirmou que, apesar das promessas feitas ao longo dos processos de negociação entre clínicos, administração hospitalar e tutela, apenas chegaram ao São Bernardo dois dos dez médicos que o ministério garantia que iria contratar.
Jorge Roque da Cunha disse ainda que “mais de metade do trabalho no serviço de urgência é efetuado por uma empresa de prestação de serviços”. “O Governo gasta cerca de 150 milhões de euros na contração desse prestador de serviços, mas não investe no reforço dos quadros do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou.
A situação extrema a que chegou a unidade hospitalar também está a preocupar seriamente o presidente eleito do município de Setúbal, André Martins que, tal como apurou o Semmais, terá já agendado uma reunião de emergência com a administração do estabelecimento e com o diretor clínico demissionário. Essa reunião deverá ocorrer no início da semana.
Ministério anuncia investimento na unidade de 17,2 milhões
A crescente contestação fez, entretanto, com que o Ministério da Saúde anuncia-se, na quarta-feira, um investimento de 17,2 milhões de euros. Trata-se, conforme foi comunicado, de uma verba destinada a pagar as obras de ampliação das instalações.
“O Ministério da saúde está, naturalmente, a acompanhar a situação, tendo sido autorizadas, para além dos médicos especialistas contratados no último procedimento concursal (em julho deste ano), contratações nas especialidades de ortopedia, ginecologia/obstetrícia, anestesiologia, cardiologia, pneumologia, medicina intensiva e oncologia médica”, conforme adiantou fonte ministerial à agência Lusa.
A este anúncio, os médicos que ainda prestam serviço em Setúbal lembraram, entretanto, que é necessário criar condições para que os profissionais de saúde não abandonem a cidade e procurem trabalho privado e no estrangeiro. Alguns diretores de serviços recordam que há especialidades que já quase não funcionam e dão o exemplo da oncologia. “Há 2.000 doentes com cancro que têm de ser transferidos para hospitais da capital. Cerca de 50 por cento dos blocos operatórios também não são utilizados, porque não há anestesistas suficientes”, dizem.