Familiares e instituições acusam Lar São Pedro de tratamento indigno para com os idosos. Responsável nega as acusações e, quanto à ilegalidade, diz que a ‘culpa’ foi da Covid-19. Funcionamento começou há quatro anos.
Falta de salubridade, inexistência de condições habitacionais dignas e de privacidade e ausência de licença para funcionar são apenas algumas dos problemas apontados por instituições e familiares dos utentes do Lar São Pedro que, localizado em Algeruz, concelho de Palmela, foi encerrado pela Segurança Social e por agentes da GNR no passado dia 4 deste mês.
A maioria dos idosos foi transferida, provisoriamente, para a Base Naval de Lisboa, no Alfeite, em Almada, e outros seis acabaram por ser acolhidos no Lar Fatima Park, na Quinta do Anjo, onde, pelo que o Semmais conseguiu apurar, chegaram “mal tratados”. “As senhoras vinham com escabiose (sarna) e piolhos, neste momento estão em quarentena e encontram-se a fazer os tratamentos devidos. Isto não se faz a ninguém”, contou uma funcionária da instituição que solicitou anonimato.
Para além da situação destas idosas, o nosso jornal descobriu uma outra utente que, segundo contam os familiares, se encontra internada no Hospital São Bernardo, em Setúbal, com o mesmo problema.
Confrontado com estes relatos, o gerente do Lar São Pedro declinou as acusações, afirmando não passarem de “falácias”. “A única verdade, efetivamente, é que o lar estava ilegal e que os idosos foram retirados à força, não querendo deixar o local. Não existiam maus-tratos, nem falta de higiene”, disse ao Semmais Miguel (o apelido não nos foi confirmado), justificando o alegado ‘cenário’ com o facto de no dia do encerramento a “Segurança Social ter chegado de manhã, no momento da habitual rotina de higiene”. “Estávamos a fazer a higiene, logo é perfeitamente normal haver fraldas e bagunça. É normal!”, reiterou.
Higiene essa que, diz um familiar da idosa internada no hospital de Setúbal, era um “episódio de terror”. De acordo com esta nossa fonte que pediu para não ser identificada, “a avó está lúcida e, agora que se sente protegida, vai contando situações catastróficas como, por exemplo, os banhos que eram dados num alguidar com a mesma água e o mesmo pano a, pelo menos, duas pessoas”. “E o banho não era todos os dias”, acrescenta.
Mas não foi só da boca da avó que esta familiar ouviu relatos “miseráveis”: “Um GNR, no local, no dia em que fecharam o lar, perguntou-me se eu tinha ido ao interior das instalações. Eu disse-lhe que não e ele responde-me ‘ainda bem’, porque alegadamente havia colchões em péssimas condições com resíduos de fezes e urina dos idosos, um cenário de terror”.
Visitas à porta sob a vigilância de um funcionário
Agora, continua a mesma familiar, está explicado o motivo pelo qual “as visitas eram feitas sempre sob vigilância de um funcionário e na entrada do lar”. “Cada vez que íamos visitá-la, ela ficava do lado de dentro, sempre com uma auxiliar sem nos dar privacidade, e nós ficávamos do lado de fora. Eram assim as visitas, nunca entrámos nas instalações”, relata a neta da utente que se encontrava a viver no Lar São Pedro há cerca de dois meses.
Ao que parece, a instituição aproveitava a pandemia para camuflar alguns comportamentos, entre os quais o facto de se encontrar a funcionar de modo ilegal há cerca de quatro anos, altura em que começou a receber utentes. Confrontado pelo Semmais com esta realidade, o gerente não negou a ilegalidade, mas ‘culpa’ a Covid-19. “Não faltou dinheiro para legalizar o lar, a questão é que quando me deslocava à Segurança Social nunca dava, por causa da Covid, porque tinha de marcar ou porque a pessoa responsável não podia”, afirmou Miguel.
Relembrámo-lo que a crise sanitária não existia aquando da inauguração e, em resposta, disse que o problema se deveu ao crescimento do lar: “Não o fiz quando abriu por várias razões, porque não era meu e porque pensava inicialmente ter apenas 10 utentes, mas a situação foi aumentando com a procura e com a Covid não foi possível”.
Em resposta à solicitação do Semmais, a câmara de Palmela confirmou que decorreram “várias diligências afim de fechar o lar por parte da Segurança Social, devido à falta de condições e de legalização”. O encerramento deu-se no passado dia 4, altura em que 41 idosos foram transferidos para as instalações da Marinha Portuguesa em Almada que, em comunicado, anunciou que o “acolhimento temporário de emergência surge na sequência de um pedido da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) ao Estado-Maior-General das Forças Armadas, tendo o transporte dos idosos para a Base Naval sido realizado por ambulâncias e autocarros da região de Palmela”.