Setúbal pode voltar a ter uma conserveira dentro de um ano

Já existe espaço físico, já se fazem experiências laboratoriais e aguarda-se número de controlo veterinário. A ideia passa por aproveitar espécies piscícolas menos valorizadas.

Quase 30 anos após o encerramento da última conserveira de Setúbal, a cidade pode vir a ter uma nova indústria do género. O espaço físico já existe e os estudos de mercado e das espécies estão a ser feitos, assim como o investimento em algum equipamento. Já não será um daqueles projetos que, sobretudo nas épocas das guerras mundiais e no período da guerra colonial, movimentavam milhares de operários, mas será o retomar de uma atividade que, desta feita, pretende valorizar mais a qualidade do que a quantidade.

Vítor Vicente é proprietário do restaurante Can the Can, em Lisboa, estabelecimento que serve de plataforma para diversas experiências gastronómicas baseadas nas espécies piscícolas. Foi através deste restaurante que, por exemplo, se voltou a produzir garum (o resultado da decomposição do peixe para produção de um tempero) nos tanques romanos de Troia. É também com base no mesmo espaço de restauração que está a ser desenvolvido um projeto denominado “Selo do Mar”, o qual documenta informaticamente toda a informação relativa à indústria conserveira (marcas, empresas e cruzamentos entre as duas) e que está a génese de uma futura unidade industrial que poderá abrir portas no espaço de um ano.

O espaço já existe e espera-se que, ainda em março ou em abril, lhe seja atribuído o número de controlo veterinário. “Quando tivermos essa autorização para a qual estamos a trabalhar com a colaboração do Instituto Superior de Agronomia, poderemos iniciar a produção de garum – já fizemos uma experiência a partir de Troia, onde utilizámos cerca de 400 quilos de sardinha – e avançarmos para uma pequena produção de enlatados. Será uma produção que visa mais a qualidade do que a quantidade e que irá incidir em espécies piscícolas às quais, por norma, não é dispensada tanta atenção. Espécies menos valorizadas, mas de grande valor”, explica ao Semmais Vítor Vicente.

Essas espécies são, por exemplo, “a tainha, que muitos associam ao lodo, mas que é um peixe deslumbrante e de grande valor, o charroco, a cavala ou o peixe-agulha”.

O pescado utilizado, ainda segundo o mesmo empresário, tem duas proveniências: Todo o peixe mais pequeno é originário de Setúbal, sendo capturado pela frota da Sesibal – Cooperativa de Pescas de Setúbal, Sesimbra e Sines, enquanto as espécies maiores, tais como atum, o espadarte ou as lulas de maiores dimensões  que têm vindo a ser utilizadas, quase há dois anos, num projeto que visou a recuperação de técnicas tradicionais e que inclui também a muxama algarvia, as ovas e as barrigas de atum, garum e lombo de espadarte fumado, são oriundos dos Açores.

 

Laboratório já começou a funcionar em setembro

A futura unidade conserveira irá laborar num espaço junto à lota setubalense. Trata-se de um imóvel alugado em setembro do ano passado e que dispõe de apenas entre os 80 a 100 metros quadrados. Aí funciona já um pequeno laboratório onde a equipa de Vítor Vicente tenta descobrir as melhores propriedades das espécies a utilizar, e aí será instalado todo o equipamento destinado às conservas.

“Não podemos afiançar que comece a laborar ainda este ano e nem sequer podemos ainda avançar com um número de pessoas que irá empregar. É um projeto que implica a aquisição de algum equipamento dispendioso, como por exemplo, o autoclave, uma máquina que cria pressão no interior das latas e que distribuiu de forma homogénea uma determinada temperatura, criando assim condições para a esterilização e uma melhor preservação e manutenção do peixe. Uma máquina dessas custa cerca de 30 mil euros. Por outro lado, já temos uma cravadeira, uma máquina manual para fecho das latas, que ascende a cerca de 5.000 euros”, avançou.

 

Curiosidades sobre a indústria conserveira

– Setúbal teve mais de 400 fábricas de conservas

– A indústria conserveira chegou a empregar 80 por cento da população da cidade

– Esta indústria teve grande visibilidade durante os períodos de guerra, pois permitia preservar alimentos durante um largo período de tempo, poupando desse modo despesas no envio de mantimentos para os soldados

– Das antigas fábricas que existiam na cidade, apenas sobram as instalações de uma. Nela funciona atualmente o Museu do Trabalho

– Antes do 25 de Abril de 1974 os operários das conserveiras chegavam a fazer jornadas de 16 horas diárias. Esse número baixou para metade após as reivindicações laborais instituídas

– A primeira conserveira da cidade terá surgido em 1884, há cerca de 138 anos. A última encerrou portas em 1993