Algumas empresas designam-na como mármore para assim justificarem a sua comercialização. As últimas pedreiras encerraram na década de 1970, mas ainda se usam pedaços em placas de ruas ou para fabricar objetos decorativos.
Existe uma rocha que só é possível encontrar na Serra da Arrábida, em Setúbal. Chama-se, precisamente, Brecha da Arrábida. É considerada em perigo de extinção e terá sido formada entre 150 a 200 milhões de anos, durante o Jurássico Superior. A sua extração, por se ter tornado tão rara, está proibida desde meados do século XX. Apesar disso, basta fazer uma pesquisa na Internet para encontrar inúmeros anúncios a vender tampos de mesa, cinzeiros ou outros objetos decorativos.
A exploração da Brecha da Arrábida, que também pode ser conhecida por mármore da Arrábida, terá sido proibida na década de 1970, quando da criação do Parque Natural. Desde então a pedreira de onde era retirada ficou interdita. Ainda assim, segundo referem alguns industriais do setor, “é possível recolher bons pedaços, trabalhá-los e comercializá-los”. Para tal basta que alguém se aventure pela antiga pedreira do Jaspe, junto ao Portinho da Arrábida e que depois a transforme em peças ornamentais que podem ser comercializadas por poucas centenas a alguns milhares de euros.
“Tudo depende do tamanho do objeto fabricado e da qualidade da pedra. Quanto mais cor tiver, mais dinheiro vale”, explicou ao Semmais um conhecedor do processo. “Um cinzeiro ou um almofariz podem custar 200 euros, mas se for um tampo para uma mesa grande, se a pedra for boa, pode chegar facilmente aos dois ou três mil euros. Agora é muito mais difícil encontrar peças grandes, porque não é fácil extrair blocos de rocha com o tamanho desejado e o que resta na pedreira não pode ser mexido. É por isso que quase só se fabricam peças mais pequenas, para decoração. As grandes acabam por ser vendidas pela internet”, acrescentou.
“Não é apenas junto ao Portinho que existe uma pedreira. Há outros sítios na serra, mesmo sendo mais pequenos, onde ainda é possível encontrar vestígios. Quem conhece, se quiser, vai lá sem grandes problemas”, referiu um geólogo entretanto contactado. “O principal problema que vejo numa eventual exploração ilegal tem a ver com a destruição causada. É mais o que se destrói do que aquilo que se retira”, disse.
Empresas especializadas ainda comercializam
Mesmo com a exploração proibida, a verdade é que, de acordo com a mesma fonte, não só existem particulares e alguns empresários que ainda comercializam a pedra, como até algumas entidades públicas, como câmaras municipais, se socorrem de alguns pedaços para fazerem, por exemplo, placas toponímicas.
“Nos catálogos das empresas que se dedicam à exploração e comercialização de pedras, ornamentais ou para construção, também aparecem quase sempre referências à Brecha da Arrábida. Isso quer dizer que a comercialização continua a ser feita 50 anos após terem sido encerradas as pedreiras. Talvez algo não esteja bem…”, adiantou ainda uma das fontes contactadas.
O Semmais tentou igualmente saber, junto de empresas do setor, se há fiscalização relativamente a esta exploração, não tendo, no entanto, recebido qualquer explicação. “Se vem no catálogo é porque pode ser vendida”, disse uma funcionária de um armazém de Pero Pinheiro, confirmando o mesmo que fora antes referido por um empresário de Vila Viçosa.
As cores predominantes da Brecha da Arrábida são o branco, o negro, o cinzento, o amarelo e o vermelho. São tonalidades que se misturam e que a tornam bastante atrativa, pelo que foi e, ainda é, usada para a fabricação de objetos ornamentais. “Por vezes há quem confunda a Brecha da Arrábida com mármore. Essa confusão não é admissível entre os profissionais do setor e pode ser apenas um argumento utilizado para lançar mão a um material cuja exploração é proibida e que tem valor económico”, salienta uma das fontes contactadas.
No catálogo da Dimpomar, empresa alentejana, a Brecha da Arrábida surge referenciada como mármore. “Uma brecha antiga bem portuguesa, de tons avermelhados, tijolo, acastanhados. Embora as pedreiras não estejam operacionais, é nossa aposta oferecer Brecha Arrábida pelo máximo tempo que os blocos existentes permitam”. No mesmo documento refere-se que a oferta é limitada e que a mesma pedra também pode ser conhecida por Brecha da Ota ou Arrábida Amarelo.
“Ao contrário do mármore, a Brecha da Arrábida não é uma pedra metamórfica, ou seja, não é uma pedra que tenha sofrido transformações e que foi gerada nas bacias sedimentares”, explicou ainda um dos peritos com quem o nosso jornal falou, defendendo que a designação de “mármore” pode gerar “interpretações dúbias e enganosas”.
Por sua vez, os especialistas da Sociedade Geológica de Portugal consideram que esta rocha deve ser oficialmente classificada como extinta, uma vez que a sua exploração já não é autorizada. “É admissível que se utilizem algumas quantidades de rocha retirada das pedreiras antes da proibição, mas não pode ser permitida toda a sua utilização. Há que preservar o que sobra”, dizem.
Observável em monumentos de Setúbal
Pensa-se que a utilização da Brecha da Arrábida começou a ser feita durante o período de ocupação romana. No distrito de Setúbal, de onde é originária e, portanto, de mais fácil acesso, existem vestígios da sua utilização em construções de várias épocas posteriores, nomeadamente em igrejas. A pedra foi utilizada, por exemplo, no cruzeiro e na igreja do antigo Mosteiro de Jesus, podendo ser apreciada numa enorme pia batismal ali existente. O nome brecha será derivado do jargão dos operários italianos.