Este é um dos poemas que parece dizer tudo sobre o tempo que passamos. Um tempo em que fomos interiorizando o receio (e porque não, o medo?) e a distância, dos outros e de nós mesmos. Basta cruzarmos na rua com um amigo ou conhecido para sentirmos como se afastam as pessoas na desconfiança que se foi gerando ao fim de dois anos de pandemia. Vai ser um tempo que deixa marcas, de afastamento e de ausência de manifestações de carinho. E logo nós, portugueses latinos, que privilegiamos o beijo, o abraço, o toque carinhoso na manifestação afetuosa de bem nos querermos.
A juntar a tudo isto, o crime hediondo de um louco que faz a guerra, num tempo em que se acreditava ser impossível voltarmos a tempos passados de genocídio, de sofrimento e miséria. Uma guerra que massacra um povo, que se apropria da sua terra, que condena as famílias à separação e ao sofrimento, que destrói um país, apenas impondo a supremacia do poder das armas na subjugação dos mais fracos.
Na verdade, não só eu como todos nós, temos dentro a negrura e escuridão, quando não há muito tempo julgávamos ter o azul do céu sem limite. Só nos resta o desejo e a esperança de que este tempo passe.
Tenho dentro de mim uma montanha,
logo me julgava planície.
Andava na rua em ar descontraído,
sorriso aberto em cumprimento alegre
sem receio que alguém me visse.
Tenho dentro de mim a negrura e escuridão,
logo me julgava no azul do céu sem limite.
Fazia dos meus passos o meu próprio caminho,
um abraço pronto num enlace feliz
sem medo ou juízo para algum palpite.
Tenho dentro de mim o receio de mim mesmo,
o receio que outro se ponha a meu lado,
esta desconfiança no ar que respiro,
a dor da ausência de um beijo,
quase as palavras possam ser meu encargo.
Que tempo é este que mascara o rosto
e nos abafa o sorriso(?),
que a voz sumindo é de despedida e desconforto.
Que tempo é este que a alma nos amarga
na solidão de uma caminhada (?),
que afasta a mão amiga desacompanhada.
(inédito)
José António Contradanças
Economista / Gestor