Do Guadiana ao Havai, no Mussulo

Agora que o retumbar mediático provocado pela guerra na Ucrânia é substituído pelo dramatismo das temperaturas extremas, viajo até ao hemisfério sul onde Embondeiros secam altaneiros sobre praias paradisíacas da ilha de Mussulo – Luanda. Os seus frutos – Baobab – ainda suspensos nas copas secas acentuam o dramatismo da paisagem.

As consequências alterações climáticas fazem-se sentir e aceleram a necessidade de encontrarmos soluções para uma relação diferente entre o humano e o não-humano, numa posição pós-humanista onde subjetividade do nosso olhar seja tocada pelo poder da terra, numa alusão ao sinistro e belo “Gaia” (2021), do Sul-Africano Jaco Bouwer Kapp, a partir de um guião de Tertius Kapp.

Caminhamos naquela delgada linha de praia do Mussulo que o mar deste inverno invade trazendo detritos de plástico de paragens longínquas. Chegam pescadores à praia. Indiferentes à nossa curiosidade estão mais preocupados com a escassez de peixe onde abunda agora o plástico que disputa as redes com os Piazeite… Que futuro terão estas comunidades piscatórias? Os fluxos migratórios serão inevitáveis! O pôr do sol é absolutamente esmagador!

Na sequência daquela caminhada com tempo para pensar, surge a leitura de um artigo do Mário Augusto, na Revista do Jornal Expresso, na sua edição n.º 2593, onde este nos transporta até ao Havai através das rotas da emigração portuguesa no início do Séc. XX. A resposta a uma curiosidade de há algum tempo.

Mário Augusto refere o recorte de uma notícia (esses preciosos fragmentos do tempo) onde é feita alusão a “uma terrível seca no início do século XX que escorraçara dezenas de famílias da serra de Serpa ao Ficalho”. Uma “fome que desterrou uns quantos, crianças incluídas, especialmente de Vale Vargo, mas também de Brinches, Moura, Baleizão e Pias. Partiram todos juntos para não morrerem devagarinho à mingua”.

E, foi sempre este o nosso movimento, naquilo que é a procura de melhores condições para alimentarmos os nossos filhos, as nossas famílias. A partir do Mussulo percebemos que este será um movimento perpétuo que nos cabe compreender e aceitar como nos aceitaram no Havai. Sempre estaremos em movimento na procura de um lugar que nos acolha… pelo caminho daremos mundo ao mundo e, dele receberemos uma herança que devemos respeitar no poder de Gaia.

Se o Cavaquinho deu origem ao “mágico” Ukelele nas mãos do Eddie Vedder, não será por acaso que o autor Society fez questão de ter uma Viola Campaniça na sua coleção de sonoridades do mundo que nos dá “esta sociedade”.

Estamos juntos!

Aldo Passarinho
Professor Instituto Politécnico de Beja