Denúncia é da Amnistia Internacional. Demolição de 83 construções clandestinas arranca este fim-de-semana.
A Amnistia Internacional-Portugal alertou esta sexta-feira que há famílias do bairro do 2.º Torrão, na Trafaria, no concelho de Almada, que estão a ser notificadas para sair das suas casas sem que haja uma proposta de realojamento.
Num comunicado hoje divulgado, a Amnistia Internacional explica que foi estipulado que hoje era a data limite para muitas famílias saírem das casas onde vivem e considera que no processo há um ausência de comunicação clara e transparente por parte da Câmara Municipal de Almada (CMA).
“A incerteza sobre o futuro, a ausência de uma comunicação clara e transparente pela Câmara Municipal de Almada e a falta de opções têm deixado estas pessoas sujeitas a grande pressão, por receio de perder a sua casa sem um sítio para onde irem”, refere a Amnistia adiantando que tem vindo a acompanhar a situação vivida no Bairro do Segundo Torrão, freguesia de Trafaria, concelho de Almada, no distrito de Setúbal.
A Amnistia Internacional explica que pediu à autarquia o acesso ao relatório que sustenta estas razões apresentadas, mas que este lhe foi negado tendo a CMA afirmado que apenas cede ao documento a “entidades públicas e oficiais”.
Tendo em conta todas as implicações em matéria de direitos humanos que esta situação envolve, a Amnistia Internacional afirma que tem trabalhado com as partes envolvidas, no sentido de fazer com que as melhores soluções sejam encontradas e implementadas, garantindo que todas as pessoas veem os seus direitos assegurados neste processo de realojamento, conforme definido pelas normas internacionais de direitos humanos sobre o direito à habitação adequada.
Numa primeira visita ao bairro, a 29 de junho, a organização alertou a comunidade para os seus direitos e para as obrigações que as autoridades locais e outros representantes do Estado detêm na prevenção de desalojamentos forçados, partilhando o seu “guia para a prevenção de desalojamentos forçados”.
Presentes na reunião, estavam os representantes de várias famílias visadas, que relataram à Amnistia Internacional como lhes tinha sido transmitido o plano de realojamento provisório, com duração prevista de três anos, partilhando os seus receios quanto ao mesmo.
Já em setembro, a organização voltou ao Bairro do Segundo Torrão para verificar como estava a decorrer o avanço de todo o processo.
“Não se pode pensar na habitação individualmente, porque ela interliga-se a outras dimensões da vida das famílias. Pensar numa solução de habitação é ter em conta a dignidade, a estabilidade e o normal acesso ao meio de sustento das famílias, assim como o acesso à educação das suas crianças e jovens”, referiu o diretor executivo da Amnistia Internacional – Portugal, Pedro A. Neto.
Segundo a organização, pela complexidade de toda a mudança, os moradores do 2.º Torrão permanecem com preocupações que carecem de resposta por parte da CMA até hoje, tendo as pessoas revelado que o critério de escolha das casas a demolir foi o que mais gerou dúvidas que persistem entre a comunidade.
“Alguns moradores afirmaram existir casas em cima da vala que não foram notificadas pela CMA e estão excluídas do processo de realojamento, apesar de apresentarem igual risco de desabamento e se encontrarem no mesmo perímetro de casas notificadas. Por outro lado, existem casas fora do perímetro da vala a serem consideradas e ainda famílias que receberam notas de despejo, mas que não foram posteriormente incluídas no plano de realojamento”, explica a Amnistia Internacional adiantando que em pelo menos um dos casos, moradores notificados pela CMA e moradores que não o foram, pertenciam à mesma família e as suas casas tinham paredes comuns.
Segundo Pedro Neto, a Câmara Municipal de Almada “em vez de contar com a sociedade civil e com a comunidade para resolver os problemas locais e ouvir a população a quem serve, parece estar a antagonizar a própria sociedade civil acusando-a de ser na população causa de desespero e drama para as famílias”.
No entanto, adianta o responsável, o desespero e o drama que vivem estas famílias é causado – de acordo com os testemunhos das famílias que ouvimos – pela pouca clareza, esclarecimento, proximidade, e até por um discurso por vezes intimidatório da Câmara Municipal junto da população a quem serve”, salienta Pedro A. Neto.
O 2.º Torrão, na freguesia da Trafaria, é um bairro precário do concelho de Almada, distrito de Setúbal, com mais de três mil pessoas, que há cerca de 40 anos se começou a formar ilegalmente, uma condição que se mantém, assim como as carências habitacionais, a falta de luz, de esgotos ou de limpeza nas ruas.