Sou otimista por natureza. Procuro sempre olhar para a vida e os seus múltiplos contextos pelo lado positivo, colocando-me na perspetiva da solução e não do problema. Sempre gostei de abraçar causas complexas, que exigem síntese e decisão, ainda que em contexto de risco.
No Parlamento Europeu, como antes em muitos outros mandatos políticos ou académicos que me foram confiados, sinto-me na minha “praia”. Pela casa da democracia europeia passam todos os grandes debates e todas as grandes decisões da atualidade. Ainda que as minhas áreas de acompanhamento direto sejam o digital, a energia, o desenvolvimento sustentável e a ajuda humanitária, a sua abrangência e impacto levam-me a estar atento às diversas dinâmicas de transformação, para poder avaliar e agir.
Neste tempo de festas e transições, nem com o meu otimismo consigo deixar de sentir uma profunda preocupação com as crises gémeas que assolam as sociedades atuais e em particular as sociedades democráticas.
A aproximação de eleições para o Parlamento Europeu, que se realizarão em junho de 2024, fez despoletar por toda a Europa as sombras dos populismos por um lado e dos taticismos por outro. A crise do medo e da desinformação protagonizada pelos grupos radicalizados de extrema direita ou de extrema esquerda, é irmã gémea da crise da afirmação de novas políticas de proximidade e adaptadas aos novos tempos por parte dos partidos ditos tradicionais.
Esta análise não é apenas válida para a União Europeia (atente-se na eleição de Milei “el loco” como Presidente da Argentina ou nas sondagens que continuam a posicionar Donald Trump como um possível Presidente dos EUA), mas tem nela sintomas e impactos muito preocupantes.
Depois de uma resposta à pandemia que reforçou a parceria europeia e a perceção da sua utilidade para os cidadãos, e de uma reação forte e concertada à invasão russa perpetrada sobre a Ucrânia, a União Europeia chega ao final de 2023 ensarilhada em dilemas, vetos e taticismos. Foi lesta a condenar o ataque terrorista do Hamas ao Estado de Israel, mas a condenação das quebras do direito humanitário por este praticadas na sua defesa, a defesa das tréguas e dos corredores humanitárias, do cessar-fogo e do reafirmar do princípio dos dois Estados foi arrancada a ferros e com algumas hesitações. A revisão intercalar do Quadro Financeiro Plurianual foi falha de ambição e alguns dos pilares da autonomia estratégica aberta da União, como a política comercial, o pacto ecológico europeu ou a década digital, só dificilmente têm sobrevivido aos oportunismos eleitoralistas de populistas e conservadores.
Na União como em Portugal, resolver as crises gémeas está na mão dos eleitores. Em março ou em junho precisamos dar um novo fôlego à boa política progressista e de proximidade.
Carlos Zorrinho – Eurodeputado PS