A morte de Odair Moniz, baleado por um polícia no Bairro do Zambujal na Amadora, em circunstâncias ainda por apurar, levaram a um rastilho de acontecimentos violentos que se estenderam a toda a área metropolitana de Lisboa.
A violência é sempre condenável, venha de onde vier. Queimar carros e autocarros não traz de volta a vida de Odair, prejudica as comunidades e não resolve os problemas graves que existem na discriminação e no isolamento dos “Bairros” que povoam os concelhos da zona norte de Lisboa e da margem sul do Tejo.
Os “Bairros”, territórios lá longe e isolados da centralidade das cidades, onde quem ali habita só vem ao centro para trabalhar e depois volta ao “Bairro”, muitas vezes com dias de duas jornadas de trabalho, que se iniciam de madrugada e terminam já de noite. Onde os jovens vivem desesperançosos, porque as suas vidas, não são de cá nem são de lá, onde o normal é ter a polícia a fazer rusgas e a serem encostados à parede, porque independentemente do que fizeram ou não fizeram, são sempre suspeitos.
A cor da pele de quem vive nestes territórios é relevante. Nos “Bairros” da Grande Lisboa muitas das pessoas são de etnia cigana ou são afrodescendentes, sendo vítimas da discriminação, perpetuada ao longo dos anos, traduzida num racismo estrutural que o Estado teima em não assumir, repetindo uma narrativa política de quem não faz ideia do que são estes territórios, da vida de quem ali habita, da indiferença de que são alvo, insistindo em desvalorizar e incluir esta realidade, de forma abstrata, nas medias de política gerais de combate à pobreza.
Luís Montenegro e o seu Governo não perceberam nada do que aconteceu nestes dias, nem tiveram a humildade de tentar compreender. Não tiveram o gesto, mesmo que apenas por alguma compaixão, de se deslocar aos “Bairros”, de ouvir as pessoas que ali vivem, de ver com os seus olhos a realidade.
Foi opção do Governo reunir com algumas Associações que representam estas comunidades e lhes dão voz, dizendo que as queria ouvir. Mas tristemente não perceberam que já não é o tempo só de ouvir, que é o tempo de agir. Da reunião saíram os representantes das pessoas dos “Bairros” com uma mão cheia de nada e o Governo, a achar que fez o que era preciso.
E não sendo já suficiente esta catadupa de acontecimentos com as barbaridades proferidas por dirigentes do Chega que mereceram uma queixa ao Ministério Público apoiada numa petição com 120 mil assinaturas, a Câmara Municipal de Loures aprovou uma recomendação do Chega com votos a favor do PS e PSD, a propor que, em situações de inquilinos das habitações municipais serem responsáveis por desacatos, passarem a ser alvo de ordem de despejo.
O Jornal Expresso do passado fim-de-semana apressou-se em colocar o Presidente da Câmara Municipal de Loures em alta no barómetro semanal, concordando com as suas palavras infelizes e afirmando a necessidade de um debate sobre o que fazer com as pessoas que vivem em habitação municipal e participam em distúrbios públicos.
Estes ecos da agenda da extrema direita securitária e repressiva, a entrar nas agendas do centro político que tínhamos como moderado e dos órgãos de comunicação social conhecidos pela sua urbanidade, mostra bem a deriva perigosa para a qual caminhamos, onde o risco de ser socialmente aceite que as pessoas que vivem nos “Bairros”, pela avaliação da sua conduta, pela sua condição de moradoras em casas municipais, tenham menos direitos, liberdades e garantias.
É preciso sermos firmes nos princípios e na defesa de uma sociedade justa e decente, aproveitar as boas práticas, e há tantas a replicar, investir na coesão social, na inclusão das pessoas e dos territórios, numa vivencia de cooperação salutar entre policias e moradores, onde as escolas tenham crianças de diferentes proveniências, promovendo atrações culturais e comerciais que estimulem a vontade da outra cidade lá ir e permanecer, onde a igualdade de direitos e oportunidades se torne uma realidade para todos os territórios e para todas as pessoas sem exceção.
Catarina Marcelino – Presidente da Comissão Política do PS Montijo; Ex-Secretária de Estado para a Cidadania e para a Igualdade