Tempo de todas as guerras

A propósito da nova escalada na guerra da Ucrânia, estamos a assistir ao eclodir do medo como forma de alimentar narrativas sobre o que aí vem. Não se trata de nenhum embuste e muito menos de uma qualquer prerrogativa ficcionada. É uma realidade próxima neste mundo de loucos.

A título de exemplo, ouvi, por estes dias, um mediático especialista em assuntos militares afirmar, indignado, que mesmo afastado do centro gravitacional do(s) conflito(s) Portugal já devia estar a gastar 2% da produção da riqueza nacional em defesa (o que quer dizer armamento e outra cenas bélicas), a colocar sofisticadas antiaéreas na cobertura dos céus de Belém e de São Bento, entre outros, e a legislar sobre obrigatoriedade da criação de bunkers em todos os novos edifícios do nosso parque habitacional.

Ora, não sei se o homem tem razão, mas sei que esta enorme operação especial de defesa custa horrores nos cofres do Estado e desferirá o maior ataque de que há memória às necessidades humanas e sociais de parte substantiva da população portuguesa, a começar pelos quase dois milhões de famílias que vivem no limiar da pobreza. Sim, alegadamente defendidos mas ainda mais pobres e com mais fome.

Desta forma, é verdade, talvez estivesse resolvida parte do problema habitacional, pois a avançar esta ficção real, haveria sempre bunkers modernos e comida num programa gigantesco assistencialista.

Mas o problema está também na frente aberta de mar, pois o homem receia a incomensurável frota de submarinos da marinha de guerra russa, capaz de invadir este nosso pequeno cantinho com misseis nucleares.

Volto a dizer que não sei para onde se caminha nesta insanidade escalada e, se, por ventura, as opiniões públicas, tão contaminadas com estes jogos de guerra e populismos aviltantes, não se colam às salas de pânico.

Na Europa escandinava e de leste, já se distribuem panfletos de proteção para a guerra, guias de sobrevivência e bulas de iodo para fazer face a crises nucleares. Tudo isto, porque meia dúzia de doidos continuam vivos, a ditar leis, a criar conflitos e a manipular populações.

Não se aprendeu nada com as duas guerras mundiais, nem se aproveitou o fim da guerra fria para acabar de vez com a corrida ao nuclear e, desta forma, se vai dando machadadas na civilização que homens bons ajudaram a criar. Este novo mundo é agora um entropia ainda mais perigosa, a que nem cantinhos como o nosso parecem escapar.

Neste caso nem a ficção se escapa, a começar pela “Paz Perpétua” gizada há duzentos anos por Emanuel Kant, que aludia a um tratado universal entre estados, capaz de empreender uma perceção de que guerras bem sucedidas são uma grande ilusão.