Por ironia do destino, a geração da população ativa que viveu a crise da década de 80 no distrito de Setúbal, que passou pela fome e desemprego de longa duração, que teve a capacidade de apoiar os filhos e os netos durante o período da Troika, encontra-se “fechada às sete chaves” nos Lares de Idosos, como se fossem portadores da peste do século XXI.
Constitui argumento científico, que os idosos estão mais suscetíveis às complicações do Sars-Cov-2 por causa de alterações no sistema imunológico naturais da idade. Contudo, quando existe um Plano de Desconfinamento que omite as alterações a implementar nos Lares de Idosos, é difícil aceitar que os mais velhos não ficaram para trás.
A elaboração do Plano de Desconfinamento de um Lar de Idosos não deverá passar exclusivamente para resolver a pressão das famílias em relação às visitas, muito menos ser sujeito ao aproveitamento político do COVID-19, na medida em que, durante os 45 dias do estado de emergência não foram conhecidas, por parte de nenhum quadrante da sociedade, propostas destinadas à preparação das medidas necessárias para o regresso à normalidade dos Lares de Idosos.
Partindo-se do pressuposto, que as pessoas idosas constituem o principal grupo de risco da COVID-19, atendendo ao modelo organizacional das IPSS, entre várias questões a resolver, poderá ser discutido o futuro do funcionamento destas organizações e a necessidade, ou não, de rever a Lei de Bases da Segurança Social.
Para além da implementação das orientações da DGS, o tema da dificuldade da sustentabilidade económica dos Lares de Idosos, que já existia antes da crise do COVID-19, vai ditar o destino destas organizações, sobretudo as pequenas IPSS, que só têm uma resposta social, incluindo ainda os Lares Privados, micro-empresas, que representam cerca de 67% da oferta do mercado residencial para idosos na região de Setúbal.
Face ao incremento significativo dos custos de funcionamento associados à implementação extraordinária dos Planos de Contingência nos Lares de Idosos, levanta-se a questão de quem irá suportar no imediato o aumento do custo médio por utente/cliente?
Deverá ser o Estado? As famílias? Os utentes/clientes? Ou a sociedade através do aumento de impostos?
E o impacto da crise do COVID-19 ao nível da perda de rendimentos das famílias, quem vai suportar?
Perante o cenário do agravamento das mensalidades nos Lares de Idosos e da tendência do aumento das reclamações das famílias relacionadas com a falta de qualidade do serviço, terão estas condições para voltarem a acolher em casa os idosos institucionalizados?
A crise do COVID-19 representa um teste sem precedentes à Solidariedade. O fracasso na passagem no teste deixará marcas profundas nas famílias, nas empresas, nas organizações, nos territórios que ficarem para trás, abrindo-se o caminho para todo o tipo de extremismos, conflitos, novas crises, porta já aberta com a politização do COVID-19, desde a escala da concelhia política ao Parlamento Europeu.
Ao reler o relatório da avaliação da Operação Integrada de Desenvolvimento da Península de Setúbal (OID/PS), que refere que os impactos sociais foram seletivos, conjunturais, não estruturados, carenciando de uma perspetiva articulada que poderia estimular o consenso e as sinergias dos atores locais, decorridas três décadas, não restam dúvidas que os mais novos não aprenderam com os erros da OID/PS e que a região de Setúbal vai ser sujeita a um verdadeiro teste da Solidariedade.
ATUALIDADE
Paulo G. Lourenço
Investigador social