Registo para Memória Presente

O que fazer quando não há nada para fazer? A pergunta é absurda, eu sei. Porque nada fazer é impossível. Fazemos sempre alguma coisa. Mesmo que não pareça. Mesmo que (aparentemente) sem valor. Agora ouço o som dos pássaros em vez do troar dos carros. Será isto o valor?

Olhei para o livro. Um livro e uma arma de crime ao mesmo tempo. 1030 páginas. 2666 de Roberto Bolaño. Maior do que um tijolo. Menor do que uma Bíblia. Porque a Bíblia tem outro peso. O peso do tempo.

O real é tão real que nem parece real. É o irreal social. A distância obrigatória impede a proximidade necessária. Até o olhar se tornou tímido e fugaz.

12.00 horas, a hora dos números. Uns dias melhores outros nem tanto. Gráficos e quadros. Comparações e evoluções. E os números todos ao contrário: quanto maiores piores. E nestes números não podemos encontrar responsáveis ou irresponsáveis. Bons ou maus. O vírus não funciona assim.

Voltei a ouvir a mais recente música de Bob Dylan: Murder Most Foul. E aos 78 anos o músico e o poeta, não sei qual deles ou se os dois, chegaram pela primeira vez, em tanto tempo e tantos anos, ao primeiro lugar do top dos EUA. “Nunca é tarde nunca é demais”.

Compras. Ainda não consegui deixar de comer. Por isso lá teve de ser. Por entre corredores estreitos o distanciamento social é uma miragem. No deserto do consumo.

Bebi um café. Nem sei de que marca era. Muito menos qual o lote ou a origem. Só sei que foi um dos melhores cafés que já bebi.

Basicamente tenho trabalhado presencialmente todos os dias. Embora menos horas por dia. Acabei de ler um estudo que afirmava que quem trabalha preserva melhor a sua saúde mental. Afinal a casa não é o último refúgio. O trabalho sim….

Aspirar a casa como momento Zen. Totalmente concentrado. O aqui e o agora. Nada mais importa.

1,2 milhões de trabalhadores em lay off. Não é um número. É uma calamidade. “A vida não pára”. Ou será que sim?

Aviões em terra. Aves no ar. O mundo terá voltado ao que sempre foi? Senhoras dos céus (as companhias aéreas) não saem do chão. Tempestade no turismo.

Informação: as ruas continuam vazias; as casas cheias. Os números das 12.00h são melhor explicados. Quase não se fala dos outros números. Os do cancro, dos avc’s, dos corações que falham. Quantos números estão nas sombras. Qual é o tamanho dessas sombras?

Chove. Continua a chover. Abril águas mil. Maio (também) águas mil.

Saúde ou economia? Que raio de escolha. Não percebo nada de escolhas mas de caminhos. E o caminho do regresso começa (finalmente) a ser pensado.

Teletrabalho ou telefrenesim? Qualquer hora é boa para enviar um e-mail. Qualquer momento é bom para lançar “uma urgência”. O teledisparate é um vírus nada invisível.

Despedimentos e dividendos. Tudo ao mesmo tempo. O grau zero da decência.

Pouco sono. Muita televisão. Muitas páginas. Ler o que já não se pensava ler. Pensar o que já não se pensava pensar.

“Amanhã vai ser outro dia”.

TURISMO SEMMAIS
Jorge Humberto
Colaborador