Famílias de vítimas mortas por avião numa praia da Caparica consternadas

As famílias da menina e do homem colhidos mortalmente por uma aeronave ligeira numa praia da Costa da Caparica, Almada, em 2017, assumem “profunda tristeza e consternação” pela lentidão da justiça, três anos após o acidente.

Em 2 de agosto de 2017, Sofia Baptista António, de 8 anos, e José Lima, de 56, foram atingidos por um avião ligeiro, bilugar, modelo Cessna 152, que descolou do Aeródromo de Cascais com destino a Évora, para um voo de instrução, mas, após reportar uma falha de motor, cerca de cinco minutos depois de descolar, fez uma aterragem de emergência no areal da praia de São João.

“Olhamos para este processo (judicial) e para o tempo que já passou com profunda tristeza e consternação. Decorridos três anos, apenas foi concluído o inquérito e decididos os requerimentos de abertura da instrução. Seguir-se-á o debate instrutório, depois a pronúncia, o julgamento, eventuais recursos. Quantos mais anos vão ser necessários? Ninguém sabe. É desesperante. No final, o apuramento de responsabilidades chegará, mas a imensidão do tempo fará com que a decisão seja trôpega, tardia e patética”, lamentam as famílias, numa posição conjunta enviada à Lusa.

Em dezembro de 2018, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários concluiu que houve “falhas na gestão da emergência e quebra de procedimentos pelo piloto instrutor”.

Em junho de 2019, o Ministério Público (MP) acusou sete arguidos e, três meses depois, em setembro, alguns deles requereram a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento. Quase um ano após a apresentação dos requerimentos de abertura de instrução, a juíza de instrução criminal Margarida Natário, do Tribunal de Almada (distrito de Setúbal), ainda não marcou data para o início das diligências instrutórias.

Para estas famílias, que se constituíram assistentes no processo, “era fundamental que se identificassem os erros cometidos e se apurassem responsabilidades”, e que as entidades civis competentes “aplicassem os ensinamentos obtidos neste processo, transformando-os em verdadeiras oportunidades de melhoria, sempre com o objetivo primeiro de mitigação do risco de outros acidentes”.

“Quando o processo findar, sabemos o que não vamos encontrar, sabemos quem não vai estar lá, à nossa espera. Mas, pela memória da Sofia e do José Lima, é importante que empreendamos este caminho, mesmo que longo, tortuoso e muito penoso. No final, quando esta missão terminar, esperamos conseguir alcançar alguma Paz e o encerramento de mais uma das muitas etapas do luto”, lê-se na declaração.

Questionadas pela Lusa se em algum momento os arguidos as procuraram, apresentaram desculpas ou manifestaram disponibilidade para ajudar de alguma forma, as famílias de Sofia e de José Lima revelam que “não tiveram qualquer contacto” por parte dos arguidos.

Em 25 de junho de 2019, o MP deduziu acusação contra três responsáveis da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), outros três da Escola de Aviação Aerocondor e o piloto instrutor, Carlos Conde d’Almeida, a quem foi imputado um crime de condução perigosa de meio de transporte por ar e dois crimes de homicídio por negligência.

A procuradora-adjunta Ana Margarete Filipe, do Departamento de Investigação e Ação Penal de Almada, acusou o presidente do Conselho de Administração da ANAC, Luís Ribeiro, o diretor da Segurança Operacional (Vítor Rosa) e o chefe do Departamento de Licenciamento de Pessoal e de Formação (José Queiroz) de um crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo resultado morte.

Pelo mesmo crime foram também acusados três responsáveis da Escola de Aviação Aerocondor: Ana Vasques, administradora, Ricardo Freitas, diretor de Instrução, e José Manuel Coelho, diretor de Segurança e Monitorização de Conformidade.

Contactado pela Lusa, o advogado dos responsáveis da ANAC explicou “que tem sido opção não comentar publicamente este processo e tal posição mantém-se”.

“A posição das pessoas da ANAC que represento está bem e detalhadamente expressa no processo, concretamente no Requerimento de Abertura de Instrução (RAI), aguardando-se que esta fase tenha os seu curso e desfecho”, afirmou Rui Patrício.

No RAI, o regulador manifesta “surpresa e indignação” com a tese do MP, ao acusar os três quadros da ANAC por alegadas falhas e omissões na fiscalização, supervisão e segurança.