Golfinhos do Sado estão saudáveis, mas velhos e ICNF diz que animais precisam de descanso

A comunidade, que já foi de 40 exemplares, tem agora apenas 26. A alta mortalidade das crias no final da década de 1990 explica a diminuição. O ICNF tem um projeto para impor regras às embarcações marítimo/turísticas.

A população de golfinhos (roazes corvineiros) no estuário do rio Sado está a diminuir. Atualmente, existem apenas 26 animais. Não estão doentes, nem têm problemas de falta de alimento. Estão apenas mais velhos e a sofrer os efeitos de uma taxa de mortalidade acentuada dos juvenis, ocorrida no final da década de 1990.

Os roazes corvineiros do Sado são uma espécie de cartão de visita de Setúbal, sendo muitas as empresas marítimo/turísticas que fazem da observação desta espécie o ganha pão. Os anúncios dos operadores do setor prometem passeios que podem durar três horas, incluem refeições, mergulho e que custam entre 35 euros (para adultos) e 15 (para menores). Esta atividade, desde que não sujeita a regras específicas, “pode contribuir para o stress dos animais”, disse ao Semmais a técnica do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) destacada para a Reserva do Estuário do Sado, Ana Sofia Palma.

A mesma perita adiantou que começou este ano a ser elaborado um projeto que, em conjunto com os responsáveis das empresas marítimo/turísticas, pretende definir regras e comportamentos que não prejudiquem os golfinhos. “É preciso que não se aproximem em demasia dos animais ou os persigam. É necessário definir horários e áreas onde se pode fazer a observação. Os animais também precisam de repouso”, explicou.

Embora sem possuir números, a mesma técnica disse que já têm sido aplicadas penalizações a empresas que fazem da observação de cetáceos uma atividade lucrativa sem que para tal estejam legalmente habilitadas e, por outro lado, já foram identificados e notificados, proprietários de embarcações que, em desrespeito pelo que é recomendado, se aproxima em demasia dos roazes, colocando em causa o seu bem-estar.

“Temos a certeza de que nos últimos três ou quatro anos aumentaram muito o número de embarcações no Sado, sejam elas de observação de cetáceos ou de recreio. Mas, também parece que as pessoas estão hoje mais despertas e conscientes da necessidade de preservar o modo de vida destes animais”, adiantou a bióloga, salientando que não existem sinais de mau relacionamento entre a comunidade de golfinhos e os pescadores locais.

 

Roazes do Sado são a única comunidade residente no país

Os roazes corvineiros do Sado, que já foram 40 exemplares no seu auge e apenas 24 no pior período, têm a particularidade de serem a única comunidade desta espécie que vive em permanência num local do continente. Na Europa, de acordo com Ana Sofia Palma, só há conhecimento de uma outra família que reside em permanência na Irlanda.

“É esse pormenor, o de serem residentes, que lhes confere destaque especial”, explicou a bióloga, referindo que estão reunidas no Sado quase todas as condições para que a comunidade prospere. “A qualidade da água é boa e há muito alimento”, sintetizou. E, de acordo com o que tem sido observado, nem sequer as recentes obras de expansão do porto de Setúbal terão contribuído para o afastamento dos animais, facto que é também atestado pelas dezenas de empresas que, diariamente e sobretudo no verão, organizam viagens onde a observação dos animais é dada como garantida.

Curioso, mas até agora ainda sem explicação, é o facto de alguns membros da comunidade a abandonarem numa determinada altura da sua vida, regressando anos mais tarde. No Sado, de acordo com os registos do ICNF, já foram detetadas algumas dessas situações.

As equipas do ICNF na Reserva do Estuário do Sado fazem uma saída semanal para o mar. Esse trabalho consiste, sobretudo, em identificar os animais (reconhecidos pela barbatana dorsal), contá-los e identificar a sua localização. Depois, existe também a tarefa de contar e localizar as embarcações, sendo essa informação passada para as autoridades fiscalizadoras, nomeadamente a Polícia Marítima, que intervirão junto de cada uma em caso de necessidade.

“As observações que fazemos permitem-nos saber que há exemplares que vivem no Sado desde, pelo menos, 1981. Atendendo a que um animal desta espécie pode viver entre 40 a 50 anos, temos de concluir que a população, tal como a população humana do país, está envelhecida. Há muitos adultos velhos e poucos juvenis, sobretudo porque no final da década de 1990 houve uma acentuada mortalidade das crias”, explicou a técnica, salientando que o período de gestação é de cerca de um ano e que cada cria fica com a mãe durante três ou quatro anos, pelo que uma fêmea só se reproduz de cinco em cinco anos.

 

 

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Inteligente, afável e pescador

Chamam-lhe golfinho roaz, roaz corvineiro e, também, golfinho nariz-de garrafa. Esta espécie, que uma família escolheu o estuário do Sado para viver, é comum em todo o mundo, sendo pouco preocupante o seu estado de conservação. Trazida para os ecrãs televisivos através do personagem Flipper, o golfinho corvineiro é também figura central nos espetáculos de aquário e parques temáticos, distinguindo-se pela inteligência e meiguice demonstrados. Na zona do Sado, os 26 animais que por ali nadam em permanência, alimentam-se de pequenos peixes, mas sobretudo de lulas, polvos e crustáceos, sendo frequente vê-los organizarem-se para cercarem e capturarem as presas. Acasalam entre abril e outubro e, apesar de as crias nascerem apenas com cerca de dez quilos, podem atingir os 650 quilos, sendo que os machos podem medir até 3,80 metros de comprimento. Especial é também a barbatana dorsal, a qual é diferente em cada exemplar. É através da mesma que os biólogos distinguem cada exemplar e assim conseguem fazer a monitorização. A barbatana dorsal de um golfinho é assim uma espécie de bilhete de identidade de cada animal, pois possui características únicas e impossíveis de copiar fielmente, tal como acontece, por exemplo, com as listas dos tigres.