Pobreza, distanciamento e isolamento, são muitas as fragilidades nos bairros sociais da região de Setúbal

Uma radiografia aos bairros sociais da região feita por dois conhecedores destas realidades revela que “ninguém lá vive porque quer, mas porque lá nasceu ou porque lá tem de viver”.

Na noite da última quarta-feira a empresa Águas do Sado cortou o abastecimento de água a 55 famílias residentes na Quinta da Parvoíce, em Setúbal. Mais de 150 pessoas, todas com rendimentos muito baixos, ficaram privadas de um bem essencial. Esta informação foi prestada ao Semmais por um membro de uma associação de apoio social local e ilustra, na perfeição, a realidade dos bairros sociais e dos aglomerados de barracas que ainda subsistem no distrito de Setúbal: pobreza, distanciamento social e isolamento físico.

“Um bairro social não é nenhum sítio para onde alguém queira ir viver. Quem lá vive fá-lo porque não tem outra alternativa ou porque nasceu lá”. A síntese é do padre Constantino Alves, da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Setúbal, onde há vários anos exerce funções eclesiásticas e presta apoio a alguns milhares de pessoas que residem em bairros sociais e noutros degradados e clandestinos, como é o caso da Quinta da Parvoíce.

“Nos bairros sociais que conheço, e são muitos, prevalece a ‘guetização’ de grupos. Ainda recentemente fiz um funeral com mais de 100 pessoas a acompanhar e, quando olhei em redor, constatei que eu era o único branco presente. Apesar da existência de muitas culturas diferentes, a verdade é que existe um distanciamento real entre as pessoas das diversas raças e etnias. Há cafés, se assim se lhes pode chamar, que são frequentados em mais de 90 por cento por pessoas da mesma raça ou até da mesma etnia”, disse ao Semmais Constantino Alves, explicando desse modo o afastamento “social e afetivo” que constata.

Catarina Marcelino, vice-presidente do Instituto da Segurança Social, também falou ao Semmais sobre a problemática dos modos de vida nos bairros sociais e sobre as pessoas que lá residem. “Em primeiro lugar há que distinguir entre bairros sociais e bairros de barracas. São coisas diferentes. Uma coisa é o Bairro Amarelo, em Almada, que tem infraestruturas, e outra coisa bem diferente é o Bairro da Jamaica, nos Vale dos Chícharos, Seixal, que não possui qualquer planeamento”.

A também ex-secretária de Estado para a Igualdade e Cidadania diz que se a solução em relação a casos como o Bairro da Jamaica passa pelo que tem estado a ser promovido pela câmara do Seixal, que tenta reintegrar as famílias dentro da malha urbana já existente. Já noutros, como por exemplo o Bairro Amarelo, que foram construídos de raiz, é necessário, em primeiro lugar “criar acessibilidades e incluir todos os residentes na malha social do concelho a que pertencem”.

 

Mais qualificação e emprego para os jovens entre as soluções

Catarina Marcelino entende que a criação de mais emprego para os jovens residentes nos bairros sociais será uma medida que ajudará a quebrar o isolamento destes locais em relação à restante malha urbana, pelo que diz ser fundamental que as autarquias e a administração central dialoguem constantemente na busca de soluções.

“Existem dificuldades por todos os lados. As pessoas são pobres e, regra geral, com baixas habilitações académicas. Quase não há empregos e as rendas de casa são, muitas vezes, demasiado elevadas para as posses das famílias. A melhor e mais rápida maneira de se começarem a ultrapassar estas desigualdades passa, a meu ver, por fazer sentir aos mais jovens que eles pertencem a uma sociedade alargada e não se devem sentir membros de grupos à parte”, acrescentou a mesma responsável.

Já o padre Constantino Alves insiste na necessidade de os municípios darem mais atenção às condições de habitabilidade e saneamento. Alertando para o grande grau de analfabetismo, diz ainda que só com qualificação profissional será possível aos jovens obterem melhores empregos do que os proporcionados pela construção civil e limpezas.

 

Caixa

Estado diz que reabilitação está em marcha

Em solicitação às questões colocadas pelo Semmais, a secretária de Estado da Habitação, Manuela Gonçalves, disse que “a Secretaria de Estado da Habitação e o IHRU (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana) têm estado a trabalhar com os municípios, nomeadamente os da AML do distrito de Setúbal, sinalizando por um lado situações concretas que possam ser enquadradas e integradas nas respetivas Estratégias Locais de Habitação e, por outro lado, promovendo a reabilitação direta do edificado através do próprio IHRU, como sucede, a título de exemplo, no Bairro Amarelo”. “Até à data, e de acordo com os dados remetidos ao IHRU, estão já em elaboração seis ELH na Península de Setúbal, sendo que só no caso de Almada, cuja Estratégia Local de Habitação já se encontra aprovada, o número de agregados abrangidos é de 2430”, adiantou a governante.