As ‘maternidades’ de peixes identificadas só já são 16. A poluição e as dragagens têm acabado com os mais importantes habitats. O último atentado ocorreu na Praia da Eurominas, que arrasou uma pradaria, sem que tivesse sido realizado um estudo de impacto ambiental.
As pradarias marinhas do estuário do Sado estão a desaparecer e com elas está a definhar a biodiversidade da zona. O mapeamento que a Ocean Alive, uma associação ambientalista que opera na região, tem feito, mostra que já só existem 16 daqueles locais. A recuperação é uma tarefa difícil e que só será possível com a colaboração de todos os envolvidos na vida do rio, nomeadamente indústrias, atividades portuárias, pescadores e os proprietários de embarcações. A destruição de mais um desses locais, na chamada Praia das Eurominas, é apenas o último dos casos de incúria conhecidos.
No início do mês, sem que tivesse sido efetuado qualquer estudo de impacto ambiental, a empresa Teporset (que junta as cimenteiras Secil e Cimpor), começou a fazer dragagens no rio. O rebentamento de uma parede de proteção acabou por atirar para o leito do Sado uma grande quantidade de areias e lamas, que soterraram uma pradaria marinha com a dimensão de meio campo de futebol. Na prática, arrasaram uma maternidade de inúmeras espécies de peixes e plantas.
“Há cerca de 40 anos o estuário do Sado tinha muitas pradarias. Era uma zona rica em biodiversidade. Hoje está vazio. O estuário está cansado de tanta perturbação. Existe muita degradação, causada pela poluição química dos arrozais, pelos esgotos, pelas dragagens e pelas operações de ancoragem e amarração desordenadas”, explicou ao Semmais a bióloga Raquel Gaspar, fundadora da Ocean Alive.
Destruição das pradarias leve à extinção de várias espécies
Dando um exemplo da destruição do fundo marinho, Raquel Gaspar lembrou o que se passou há cerca de 30 anos na zona do Portinho da Arrábida, onde uma enorme “maternidade” de peixes e camarões que ali existia acabou por desaparecer devido à ausência de controlo piscatório, neste caso dos pescadores de ameijoas, que com a utilização de ganchorras acabaram por arrasar o fundo marítimo.
A consequência mais visível do desaparecimento das pradarias marinhas é o desaparecimento de algumas espécies. Foi o que aconteceu com o búzio de bicos, quando se fizeram as dragagens da Setnave há umas dezenas de anos e é o que poderá acontecer em breve com diversas outras espécies, nomeadamente o cavalo-marinho, o choco, a raia, as douradas, etc.
“As pradarias são habitats protegidos e prioritários. É para conseguir identificá-las, limpá-las das ameaças e recuperá-las que a Ocean Alive trabalha. Trabalhamos com as entidades responsáveis e prestamos toda a informação possível, pois só assim será possível travar o processo de destruição”, adiantou Raquel Gaspar, salientando que existem contactos regulares entre a associação e as instituições diversas que operam no estuário do Sado, mas também com os municípios, Ministério do Ambiente, pescadores e outros operadores económicos e empresariais.
Caixa
Três queixas em curso
A associação ambientalista SOS Sado apresentou três denúncias, junto da Capitania do Porto de Setúbal, GNR e Inspeção Geral do Trabalho, para que estas entidades investiguem e, eventualmente, procedam judicialmente contra a Teporset, a empresa que este mês terá sido responsável por um derramamento de lamas na zona da Mitrena, Praia das Eurominas, provocando dados ambientais “gravíssimos e cuja extensão e consequências são, para já, impossíveis de calcular”.
Ao Semmais, o porta-voz da associação, David Nascimento, disse que “ninguém sabe quais as reais consequências deste desastre, porque também se desconhecem quais os resíduos que cobrem uma vasta pradaria”.
A 9 de Janeiro, na sequência de trabalhos de drenagem da Teporset, uma parede que sustinha diversas toneladas de lamas, terá ruído e inundado uma parte do Sado. O alerta do desastre ecológico só viria a ser dado a 17. Foi nessa altura, explica David Nascimento, que a SOS Sado, através de testemunhos de populares e de vídeos, tomou conhecimento do ocorrido. “A empresa responsável emitiu um comunicado, no dia 24, reconhecendo a responsabilidade do que aconteceu e afirmando que vai resolver. Mas isso não chega. Até porque só assumiram responsabilidades depois da denuncia”.
O porta-voz da SOS Sado refere que a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), entidade que deveria controlar o curso das obras, também só tomou conhecimento da ocorrência depois de contactada pela associação ambientalista.