Via Verde Saúde Seixal nasceu há dois anos mas continuidade está ameaçada

Dois anos depois da sua criação, este modelo serve cerca de 45 mil utentes e outras duas mil pessoas em situação irregular, do concelho do Seixal.

A Via Verde Saúde Seixal nasceu há dois anos por iniciativa de médicos e enfermeiros para dar resposta a milhares de utentes sem médico de família, mas a sua continuidade vive em constante ameaça por falta de recursos humanos.

A equipa fixa que assegura o serviço é, segundo a coordenadora, Alexandra Fernandes, “manifestamente insuficiente”, o que está a provocar “uma diminuição significativa na oferta de consultas” e o encerramento do atendimento médico no Polo Amora.

Anteriormente, os utentes sem médicos de família eram acompanhados nas Unidades de Cuidados de Saúde Primários onde não existia capacidade para um atendimento com a qualidade necessária por as equipas estarem sobrecarregadas com doentes, explicou a médica.

“Isto gerava uma iniquidade inaceitável entre cidadãos no que concerne o acesso e qualidade dos cuidados. Esta situação intolerável levou alguns médicos e enfermeiros do ACES [Agrupamento de Centros de Saúde] Almada-Seixal a propor um novo modelo para prestar cuidados de saúde adequados a estes cidadãos, até que lhes seja atribuída equipa de família, como a lei consagra”, acrescentou Alexandra Fernandes à agência Lusa.

O projeto pretende prestar os melhores cuidados de saúde possíveis com os recursos humanos e materiais disponíveis, num contexto de carência de médicos de família, através de um modelo de organização e prestação de cuidados alternativo ao modelo habitual.

No modelo habitual, a cada equipa de família (médico, enfermeiro e secretário clínico) é atribuída uma lista de 1.650 a 2.000 utentes, aos quais presta cuidados.

Na Via Verde Saúde Seixal, uma equipa fixa de médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF), enfermeiros especialistas e generalistas e assistentes técnicos serve a totalidade dos utentes.

Essa “equipa âncora” congrega e supervisiona um grupo de especialistas em MGF aposentados, internos de MGF, médicos não especializados contratados, médicos doutras unidades de saúde do ACES, enfermeiros contratados e enfermeiros doutras unidades de saúde do ACES.

Assim, médicos, enfermeiros e assistentes técnicos estão ao serviço da totalidade dos utentes.

Contudo, segundo Alexandra Fernandes, a Via Verde Saúde começa também a sofrer a pressão do aumento de utentes sem médicos de família e da falta de recursos humanos por incapacidade de reter os profissionais da equipa fixa, uma vez que os ordenados que auferem são cerca de metade do que receberiam numa Unidade de Saúde Familiar B, “pelo que os melhores têm sido recrutados para essas unidades”.

E a pressão é já visível com o surgimento de filas de utentes à porta da unidade para arranjarem consulta, uma imagem que Alexandra Fernandes afirma ir ao arrepio do que sonhou quando criou este novo modelo.

Para que o sonho se concretize, precisava de mais cinco médicos a tempo inteiro, disse a coordenadora.

Também ao nível da enfermagem, os profissionais deveriam ser remunerados de acordo com o seu desempenho, defendeu à Lusa a enfermeira especialista Olívia Matos, que abraçou o projeto desde o início com Alexandra Fernandes.

“Temos uma cobertura da vigilância de toda a saúde infantil e de toda a saúde materna, o que não acontece em mais nenhum ACES de Lisboa e Vale do Tejo”, disse, lamentando que estes especialistas estejam a ser pagos como generalistas.

“Não é justo que tenham trabalho diferenciado e especializado e não sejam remunerados dessa forma”, frisou adiantando que estes profissionais são facilmente aliciados para outros sítios, sobretudo Unidades de Saúde Familiar, onde têm melhor remuneração.

Em dois anos de existência, o Via Verde Saúde Seixal realizou 99 mil consultas médicas, das quais 63 mil presenciais, 60 mil contactos de enfermagem, 17.200 de vigilância de saúde infantil, 12 mil de planeamento familiar, 5.500 de vigilância de saúde materna, 1.400 de revisão do puerpério e 11.800 tratamento de enfermagem.

Para Alexandra Fernandes, este modelo pode ser uma resposta temporária ao panorama atual de falta de médicos de família, mas, para ser viável, é preciso valorizar todos os seus profissionais.

Também José Lourenço, da Comissão de Utentes do Seixal, está preocupado com a fuga de médicos desta unidade por motivos económicos, considerando tratar-se de um serviço essencial para a população.

“A unidade estava a ajudar a colmatar muitas das falhas. Nasceu do inconformismo e do altruísmo profissional de médicos e enfermeiros do nosso ACES. É um projeto bondoso”, disse.

Em Portugal há cerca de 1.700.000 utentes sem equipa de família, com problemas de acesso e qualidade de cuidados semelhantes aos que tinham os residentes no concelho do Seixal.

Por razões de demografia médica, explica Alexandra Fernandes, não parece possível que haja médicos de família suficientes para todos nos próximos cinco a 10 anos, pelo que a criação de serviços semelhantes à Via Verde Saúde Seixal podia ser uma boa alternativa temporária para estes cidadãos.

“Temos esperança de que a recém-nomeada administração da Unidade Local de Saúde Almada-Seixal valorize o papel da Via Verde Saúde Seixal nos cuidados aos utentes sem equipa de família e apoie a fixação dos seus profissionais”, adiantou.