O Arsenal do Alfeite diz que também é credor de dinheiro. Apelam à modernização das instalações e equipamentos e à formação de operários, que se estão a reformar a um nível superior às admissões.
O ministro da defesa anunciou recentemente que o Arsenal do Alfeite, onde se procede à reparação de toda a frota da Marinha Portuguesa, está em falência técnica. Os trabalhadores estranham as declarações do responsável da tutela e temem que possa estar a ser preparada uma venda para o setor privado. “Pode estar a ser comprometida a soberania nacional”, dizem, salientando ainda que a própria administração da empresa não confirma as declarações do governante.
A dívida do Arsenal, mesmo não sendo revelada, é real e os credores são, sobretudo, fornecedores nacionais. Houve também a necessidade, no passado mês, de pedir um empréstimo para se proceder ao pagamento dos vencimentos dos cerca de 400 trabalhadores. “No mês passado terão sido pedidos 1,4 milhões de euros e, posteriormente, mais 900 mil. Não é uma situação nova, uma vez que em 2022 também já tinha sido contraído um empréstimo, com a mesma finalidade, de mais de três milhões de euros. Essa verba foi toda paga e, portanto, acreditamos que também não será difícil saldar o que agora foi pedido. Aliás, ao longo dos anos em que a empresa deixou de estar sob a tutela da Marinha, só por uma vez, em 2021, houve um atraso nos compromissos com o pessoal. Foi relativo ao pagamento do subsídio de Natal, que não foi pago em novembro mas sim no mês seguinte”, explicou ao Semmais o representante da Comissão de Trabalhadores do Arsenal, António Pereira.
O mesmo elemento da Comissão de Trabalhadores diz que as dificuldades de tesouraria que se fazem sentir são igualmente explicadas pelos atrasos nos pagamentos por parte de alguns clientes, nomeadamente a Marinha. “Alegam (a Marinha) que o Arsenal tem atrasos na conclusão de alguns trabalhos, mas não dizem que eles próprios também devem dinheiro à empresa e que também eles se têm atrasado na entrega de equipamentos necessários para proceder às reparações. Convém não esquecer que a Marinha Portuguesa é responsável por cerca de 90 por cento do trabalho aqui realizado. Mesmo agora decorrem trabalhos no Tridente, um dos submarinos existentes, que foram comprados sem que tivesse sido assegurada a sua manutenção e que, em breve, serão iniciados os trabalhos na fragata Álvares Cabral. Além disso existe também um contrato que prevê reparações em navios da Marinha de Marrocos”, disse António Pereira.
Há falta de equipamentos e de operários base
Para a Comissão de Trabalhadores do Arsenal do Alfeite a crise anunciada pelo ministro Nuno Melo e não confirmada pela administração “serve para esconder” um problema maior. “Faltam equipamentos modernos e em quantidade, e faltam também umas dezenas de operários”, afirmaram.
“Existe apenas uma doca seca, que é onde agora se encontra o submarino Tridente. Há muito que se reclama a construção de uma segunda. Mas isso passa pelas administrações da empresa. Primeiro disseram que sim, que era necessária uma nova doca. Mais tarde, já com outros responsáveis, falou-se na expansão da atual. Depois a prioridade passou a ser a construção de uma doca flutuante para as fragatas. A verdade é que nada foi feito e, portanto, não se aumentou a capacidade de intervenção assim como não se procedeu à necessária substituição de muito material que já começa a ficar obsoleto”, referiu o representante dos trabalhadores.
António Pereira refere, por outro lado, que o número de trabalhadores existente não é suficiente. “Falta gente em quase todos os serviços”, disse. “As maiores carências serão, de certeza, ao nível das bases. É preciso investir no recrutamento e na formação. Mas que pode a empresa fazer se grupos estrangeiros chegam cá e oferecem contratos de trabalho com vencimentos muito superiores?”, referiu ainda o sindicalista.
“Há uns anos havia uma escola de formação de aprendizes. Era dali que saiam os novos operários que recebiam os ensinamentos dos mais velhos e que acabavam por assegurar a realização do trabalho. Essa escola acabou e agora, há cerca de um ano, foi criada a Academia. As pessoas que ali estão a ser formadas ainda não foram colocadas no Arsenal. São técnicos superiores e certamente irão ser muito importantes, mas continuam a faltar os operários de base. Depois, não podemos esquecer que todos os anos são bem mais os operários que saem, normalmente por atingirem a idade da reforma, do que aqueles que entram. Esse é problema recorrente e que este ano se vai voltar a repetir. No ano passado, por exemplo, só foram contratadas oito pessoas”, disse ainda António Pereira.
O desejo de regressar à Marinha
António Pereira diz que o financiamento do Arsenal do Alfeite será a chave para a sua manutenção e modernização. Conta que o anterior Governo teria chegado a um acordo para injetar 15 milhões de euros na empresa, quantia que seria suficiente para evitar os problemas agora sentidos. “Parece que não ficou nada escrito e disso se vale o atual Governo”, referiu. “Quando o ministro da Defesa disse recentemente que todos deveríamos estar preparados para algumas surpresas, mesmo que desagradáveis, estaria a referir-se à possibilidade de vender a empresa a estrangeiros. Esse poderá ser um erro de grandes dimensões e que até pode ameaçar a soberania nacional, pois que a reparação e manutenção dos seus navios de guerra passa a estar a cargo de uma entidade exterior ao país. Na verdade, o que toda a gente deseja é que o Arsenal volte a estar na dependência da Marinha, como aconteceu até 2009. Até essa altura, enquanto a empresa não passou a SA (sociedade anónima) nunca houve qualquer problema. Essa seria a melhor solução”, concluiu.