A candidatura de Maria das Dores Meira à câmara de Setúbal está a agitar a política local. A ex presidente explica, em entrevista, o afastamento do PCP, arrasa a atual gestão do seu sucessor e garante estar preparada, “sem amarras partidárias” para “trazer Setúbal de volta”. E também para combater “as cobardias” e os “ataques de ilusionismo”.
Não estão ainda muito claras as razões pelas quais se afastou do seu ex partido…
É público que havia questões com as quais não me identificava e já o disse em várias entrevistas, mas penso que esse é um assunto fechado e que não interessa minimamente para os cidadãos de Setúbal. E, dia após dia, cada vez interessa menos. O que interessa mesmo é o que nós queremos para a cidade, para conseguirmos pôr novamente a cidade no mapa.
Reformulo então: Quando é que começou o verdadeiro distanciamento da atual gestão da câmara de Setúbal?
Sobre isso, posso dizer que, à medida que os meses foram passando, começou a tornar-se notória que, da forma como o município é gerido, deixou de ter a dinâmica dos mandatos passados. E quem ama Setúbal não pode ficar indiferente à perda de brio e cuidado com que os destinos do concelho têm sido geridos politicamente.
Foi enchendo o balão…
Foi um sentimento que foi crescendo em mim e, com a força e carinho com que as pessoas me abordavam na rua para voltar, decidi recandidatar-me, porque Setúbal é um propósito de vida.
Nunca foi uma ‘yes man’ das cúpulas da DORS (Direção Organização Regional de Setúbal do PCP), isso pesou na sua anterior gestão?
Refere-se à gestão do município?
Sim, claro…
Um autarca tem de se reger por valores da democracia e da causa pública. É isso que sempre orientou a minha conduta política.
Posso inferir que a candidatura à câmara de Almada foi um erro?
Penso que é prudente não estar a fazer juízos de valor sobre esse assunto. Tenho um respeito e carinho enorme pelas pessoas de Almada, mas todos sabem que o meu coração está em Setúbal.
Lembro-me que na última fase da campanha eleitoral nunca se conseguiu desprender de Setúbal… já estava a pensar neste regresso?
Estava focada em Almada durante a campanha, mas a minha ligação a Setúbal é muito forte. Penso que teria sido muito estranho se tivesse ignorado na campanha de 2021 que tinha sido presidente da câmara municipal por 15 anos, com um carinho muito forte à terra e às pessoas. A ideia de recandidatar-me foi crescendo com o tempo e com o apoio que fui sentindo das pessoas.
Chegou a ponderar a hipótese de se recandidatar pela CDU?
A decisão de me candidatar como independente foi ponderada para iniciar um novo ciclo político, acima das lutas partidárias e para que se fizesse política autárquica em Setúbal sem amarras políticas. Penso que não faria sentido pensar em desfiliar-me do PCP e querer ser candidata pela CDU.
Referia-me ao período anterior à desfiliação. Mas teve contactos de outras forças políticas?
O que posso dizer é que também não queria ser candidata por outro partido, apesar de ter recebido contactos e sondagens nesse sentido.
Não me vai dizer que contactos ou sondagens…
Não. E cada vez mais acredito que, apesar de os partidos políticos terem um papel importante na vida democrática, no que respeita à política autárquica as candidaturas independentes trazem outra aura à política, onde podemos ter os melhores a construir um projeto comum sem olhar às cores dos cartões.

Explique então quando e em que circunstâncias decidiu avançar com a candidatura independente?
Como referi, foi uma consciência que foi crescendo em mim. Estive sempre atenta ao que acontecia no concelho, às decisões políticas e à sua implementação.
E pelos vistos não gostou. Sentiu ou sente que não está a ver continuidade da herança que deixou?
Em muitos momentos e sobre muitos assuntos, como o estacionamento tarifado, optei pelo silêncio, porque considerei que se deve dar a quem governa o tempo sério para implementar as políticas públicas, mas perante a inerte gestão camarária e o crescendo de vozes que me pediam na rua para voltar, senti que tinha a força, as condições e o conhecimento para trazer de volta a dinâmica de progresso a Setúbal. Pouco antes do verão tomei a decisão de que seria mesmo para avançar e, em julho, tornei público esse desejo.
Nas primeiras declarações após a decisão, fez saber que ia ser ‘atacada’ pelos seus ex colegas de vereação. Esperava mais ou ainda aguarda novas investidas?
É verdade, referi que estava preparada para ser atacada por várias forças políticas, aliás, o Diário de Notícias fez inclusive manchete disso. Como ainda estamos a um ano das eleições, acredito que poderão inventar mais uns quantos golpes de ilusionismo, que só têm um único objetivo: lançar a dúvida. Mas a melhor vacina para a cobardia é o trabalho honesto, transparente e ético.
Não estava a visar apenas os responsáveis da atual gestão camarária?
Penso que todos os partidos políticos têm interesse em que a nossa candidatura não exista e, como não têm outro argumento, alguns tentarão fazer-me ataques de carácter, mas também às pessoas que integram o novo movimento de cidadania.
Está arrependida de ter sugerido ao partido que o atual presidente, André Martins, fosse o candidato?
Penso que será mais correto dizer que a governação do atual presidente, André Martins, tem sido uma desilusão. Trabalhámos juntos e tinha-o em boa conta, mas nem sempre um bom técnico dá um bom líder.
Sabe melhor que eu que essa escolha lançou algum frisson na estrutura política do PCP, consegue lembrar o processo?
Respeito demasiado as instituições para comentar processos internos na praça pública. Não me ficaria bem qualquer tipo de comentário a esse respeito.
Já disse que a atual gestão está paralisada, quer explicar melhor a sua avaliação sobre a gestão do seu sucessor…
A expressão que usei foi que Setúbal encontra-se estagnada.
Ou isso… mas baseia-se em que avaliação?
Olhe, por exemplo, a despesa municipal aumenta, mas não há obra que a justifique. Temos o espaço público pouco cuidado, um sentimento de insegurança que tem crescido, decréscimo da dinamização do turismo e do comércio, falta de investimento transformador nas infraestruturas, atrasos constantes nos pagamentos do município a fornecedores e às freguesias, verbas que nunca chegam ao tecido associativo. Quer que continue?
É uma avaliação devastadora, parece que nada está a correr bem…
Mas é a verdade, porque há demasiadas coisas a correr mal e não é falta de estrutura técnica ou humana da câmara. A Câmara Municipal de Setúbal tem pessoas de excelência, com elevada qualificação e uma capacidade transformadora enorme. É a gestão política que está a falhar.
O seu peso político esteve sempre acima da força partidária que representou, como provaram as maiorias conquistadas. Qual é verdadeiramente a base de apoio que espera alcançar?
Há uma onda de apoio cada vez maior e que nos deixa muito otimistas sobre os resultados que podemos obter. Neste momento, temos quase duas mil pessoas a colaborar com o nosso movimento, desde as pessoas que integram as listas, apoiantes, voluntários, etc. Acredito que venham muitas mais à medida que as pessoas percebam que podemos mesmo trazer Setúbal de volta.

Não se pode dar o caso de o PS, a segunda força política do concelho, aproveitar uma eventual disputa do eleitorado da CDU e da Dores Meira, fragmentando esse espectro de voto…
Posso pegar nas suas palavras? Disse-me há pouco que a minha base de apoio ultrapassava o partido que eu representava (as palavras são suas), por isso digo-lhe que, pelo contrário, não estou focada em fragmentações. Estou focada em convergir e somar, para que Setúbal tenha uma governação estável e de confiança, sem populismos e com uma força incrível de transformação e progresso. Quero uma autarquia com todos e para todos.
E como vê o fenómeno do Chega, que também tem crescido em termos autárquicos no concelho?
Vou deixar esse comentário para os comentadores e analistas políticos.
Já está em campanha, ganhando balanço sobre as demais candidaturas. Podemos esperar alguns trunfos, nomeadamente desmontando dossiers da gestão camarária.
Farei uma campanha honesta, focada na construção de políticas para o concelho e no esclarecimento público. Este é o meu foco. Obviamente que tenho conhecimento das pastas e farei os esclarecimentos que sejam necessários, quer sobre a gestão camarária como também sobre propostas populistas que outros partidos possam fazer. Porque as pessoas têm o direito a saber no que estão a votar, e é muito fácil, a alguém que nunca governou uma câmara, colocar uns cartazes a dizer que se chegar ao poder faz isto e aquilo sem ter a mínima noção da viabilidade do que está a prometer. É um engodo.
Tem algumas medidas emblemáticas a apresentar no seu programa eleitoral?
Apresentei algumas no dia 2 de outubro. A primeira é que Setúbal tenha um espaço público limpo e cuidado, porque sem um espaço público de excelência tudo o resto fica limitado, nem damos dignidade a quem aqui vive, nem a quem nos visita, nem nos tornamos atrativos. Depois, já falei que queremos constituir um corpo de política municipal, que será muito importante a nível do sentimento de segurança e vistoria do espaço público; da constituição da Marina; da candidatura a Setúbal Cidade Verde e a Capital Europeia da Cultura; da luta para que a travessia para Troia tenha preços acessíveis, entre tantas outras que já são públicas e anunciei no meu discurso.
Há o engulho do estacionamento tarifado, se lhe cair nas mãos o que vai fazer?
É para resolver de vez… Já esclareci essa questão, porque o problema central está numa implementação que não corresponde ao que foi acordado. Desde as faltas das bolsas de estacionamento gratuito, a não construção faseada de dois parques de estacionamento subterrâneo, zonas com parquímetros, mas que não deviam ser tarifadas, sistema de transportes públicos que não responde às necessidades.
Não vai ser fácil desbloquear os incumprimentos face ao assumido…
O entendimento que faço é que há incumprimentos de parte a parte e que a cidade está a ser lesada, por isso, há que atuar. O poder político não pode estar parado, estagnado. Já apresentámos algumas medidas e Setúbal tem o meu compromisso: o problema do estacionamento será resolvido.
Quais são as suas melhores expetativas para as eleições do próximo ano?
A nossa expectativa é que as pessoas do nosso concelho nos deem a sua maior confiança para governar a câmara.
E se não as vencer, pode garantir que assumirá até ao fim o eventual lugar na vereação?
A nossa ambição é vencer as eleições. E acredito que todos os eleitos, independentemente dos resultados que se confirmem, tenham intenção de, em condições normais, cumprir os seus mandatos.