Movimentos migratórios inspiram “Onde o Vento Não Sopra”

Foto: Rui Tavares (CDC Angola)

Dez bailarinos sobem ao palco do Fórum Cultural num espetáculo marcado pela cenografia e a linguagem simples. A interpretação das palavras é feita através de um abecedário codificado pela dança.

A Companhia de de Dança Contemporânea de Angola apresenta amanhã, pelas 21h30, no Auditório do Fórum Cultural, “O Vento Não Sopra”, um espetáculo que marca o regresso do grupo angolano ao concelho e que integra as comemorações do 188.º aniversário do Seixal.

Depois de se ter apresentado no município, em 2022, com “Isto É Uma Mulher”, um trabalho sobre o papel feminino na sociedade, a companhia traz agora na bagagem um espetáculo inspirado nos movimentos migratórios. “Há a preocupação de mostrar a complexidade destas conexões, da viagem, da apropriação, de uma negociação entre as próprias culturas. Estamos, também, a falar de um tema atual que preocupa o mundo inteiro, ou seja, de todas estas pessoas em trânsito muitas das vezes em condições terríveis e muitas vindas de África para a Europa”, começa por explicar a coreografa Ana Clara Guerra Marques, em conversa com o Semmais.

Segundo a mesma artista, o processo criativo envolveu a dezena de bailarinos que vai estar em palco, num trabalho extenso de pesquisa que culminou num abecedário codificado através da dança. “Os bailarinos fizeram várias entrevistas a pessoas que conhecem e vivem fora de Angola, para entenderem as suas vidas e as suas trajetórias. Decidimos, então, criar um alfabeto em que cada bailarino, com o seu corpo e os seus movimentos, interpreta duas a três letras. Uma sequência corresponde à letra A, a outra à B e por assim adiante. Fomos codificando as mensagens em diálogos, partes de poemas e de palavras que representam as relações humanas e as migrações”, acrescenta a coreografa.

Aposta minimalista no cenário e figurinos

A peça foi conceptualizada com uma linguagem cenográfica e figurinos simples, procurando sempre atender ao tema central que marca a criação. “Trabalhamos um pouco com o vídeo que contem imagens de elementos da natureza, numa linguagem minimalista e que vai acompanhando a coreografia. Como uma aranha que vai formando uma teia em diferentes direções representamos, por exemplo, este conjunto de pessoas em movimento de um lado para o outro, num território que as une a todas. A única figura cenográfica que salta é uma casa que acaba por ser uma alegoria do sonho de ter um lar”, adianta Ana Clara Guerra Marques.

Esta é mais uma criação da Companhia de Dança Contemporânea de Angola que desde 1991 tem combatido, em Luanda, para encontrar e cimentar o seu espaço no espectro cultural e social daquele país. “Infelizmente as nossas condições são reduzidas. Apresentamos trabalhos com muito esforço e com o apoio de algumas pessoas e instituições mais simpáticas. Ainda existe uma enorme resistência e tradicionalismo em Angola. Não temos apoios, por exemplo, do Estado, nem dos governos provinciais. Isso de certa forma também nos motiva para apresentar espetáculos mais inovadores e interventivos. Utilizamos a dança como forma de crítica social, porque acreditamos que a arte se não for para intervir não tem sentido”, refere a mesma responsável.