A SEMANA em curso tem-se revelado luxuriante no que concerne à contribuição para a ciência política dos nossos governantes. Não sendo irrelevante constatar que a temática referente à construção de um aeroporto se afirme como o laboratório político preferido para a proferição de dislates que seriam risíveis se as consequências decisórias não se perfilassem como potencialmente danosas e, portanto, merecedoras das mais veementes e fundamentadas críticas.
Na verdade, certamente desconfortáveis pela desconcertante perenidade da máxima linoniana – da autoria de Mário Lino, entenda-se – “Na margem sul, jamais!”, Pedro Nuno Santos e Alberto Sousa de Miranda, respectivamente, Ministro das Infraestruturas e da Habitação e Secretário de Estado adjunto e das Comunicações, prestaram-se a protagonismos absolutamente dispensáveis, que denotam um crescentemente indisfarçável nervosismo na gestão – desastrosa, saliente-se, na esteira do desempenho de Pedro Marques – deste processo relacionado com a instalação de um aeroporto na BA 6. Perdoar-nos-ão Suas Excelências, o Senhor Ministro e o Senhor Secretário de Estado, que lhes invertamos as precedências e a hierarquia, debruçando-nos, num primeiro momento, sobre a pérola literária da autoria do segundo, que, descortinada a sapiência que lhe está subjacente, afigura-se credora dessa prevalência analítica.
Ora, tentando não considerar excessivamente a expressão que materializa o título do presente texto – em que, no contexto de análise dos riscos de bird strike (colisão de aves com aeronaves), manifesta uma crença notavelmente inabalável na inteligência dos pássaros como mecanismo de mitigação desses riscos de colisão –, o propósito político de tentar apresentar como inatacável cientificamente um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) inexplicavelmente deficiente e omisso – que somente as interferências políticas na apreciação efectuada pela Agência Portuguesa do Ambiente, consubstanciadas nas reiteradas afirmações do Primeiro-Ministro, permitem perceber a emissão de parecer favorável condicionado – não poderá ser objecto de semelhante benevolência. Na realidade, apenas o desespero perante a censura crescente ao mérito técnico do EIA e à submissão dos interesses estratégicos nacionais a uma solução castradora do desenvolvimento e nefasta aos mais variados níveis – designadamente na saúde humana, no ambiente, na segurança e na mobilidade –, proveniente de quem sempre foi coerente na afirmação do Campo de Tiro de Alcochete como a localização mais adequada e, ainda, de personalidades e entidades de diversas e insuspeitas latitudes, pode servir de âncora de percepção à deriva literária de Alberto Sousa de Miranda.
Devendo ainda esclarecer-se que, contrariamente ao pensamento que este explanou, a Câmara Municipal de Alcochete, por exemplo, somente emitiu um parecer positivo à instalação do aeroporto na BA 6, porquanto possui, conjunturalmente, uma maioria do Partido Socialista e é presidida por alguém que, enquanto membro da Assembleia Municipal, manifestou total discordância quanto a essa solução e que, actualmente, numa lamentável expressão de subserviência político-partidária, esclareceu a sua alteração de pensamento – presumindo-se que este tenha alguma vez existido – com a celebérrima e televisiva frase “os tempos mudam, as vontades mudam”.
Num momento em que o ensaio literário do secretário de estado ainda pairava nos conscientes sobressaltados dos que tiveram a oportunidade imperdível da sua leitura, o Senhor Ministro, desferindo uma intencional cotovelada no protagonismo de quem dele depende hierarquicamente, afirmou, em plena sede da democracia representativa portuguesa e Casa das Leis, que, verificado agora que o diploma legal aplicável torna imperiosa a existência de pareceres positivos dos municípios ambientalmente afectados pela decisão de instalação da aeroporto, então, se esse pressuposto legal não se encontra preenchido, a lei não lhe serve os intentos. Razão pela qual se mudará a lei, numa postura reveladora de um pensamento absolutista quase equiparável ao “L´État, cést moi” de Luís XIV.
Na perspectiva que se preconiza de um Estado de Direito democrático em que a honorabilidade, elevação e responsabilidade estão subjacente ao exercício de funções políticas e porque não estamos na França absolutista dos Séculos XVII e XVIII, conforta-nos o pensamento de que, ao invés da mudança da lei, poderemos sempre mudar de ministro.
ATUALIDADE
Luís Miguel Franco
Colaborador