Aqui estamos confinados. Palavra aligeirada para descrever a prisão domiciliária a que estamos sujeitos. Quase que por maldição. Nós que tanto íamos desprezando o relacionamento pessoal, o calor humano, a interpretação do gesto, do modo, da expressão do rosto, da alegria ou do sorriso estampado na cara das gentes com quem estávamos ou nos cruzávamos, preferindo o anonimato de um perfil qualquer em rede social, agora somos forçados a este relacionamento à distância, que nos vai aumentando a angústia e tornando os dias mais frios. E assim é, nesta primavera que varreu o inverno e o tornou de clima ameno e agora nos traz este gelo das palavras escritas, sem a proximidade que fomos esquecendo.
Afinal um inverno quente, sem chuva e de dias claros, em contraponto com uma primavera que chegou toldada por um ar de desconfiança, por um inimigo invisível que tememos e nos remete às grades da nossa casa. Este inimigo que nos faz desconfiar de nós próprios e nos acrescenta a incerteza do futuro.
Mas felizmente que neste mundo, para além de todos os que nos ajudam nesta frente de batalha sem tréguas, há poetas e há poesia. Há este poder de sonharmos com dias melhores, acreditar que somos capazes de ultrapassar dificuldades e seguir com a vida em frente.
Afinal, para nos confortar, até podemos pensar que a humanidade, através dos tempos, tem sido sujeita a cataclismos desta e de outra natureza e que soube continuar em frente. Talvez hoje este mundo que criámos e que está na ponta dos dedos, dedilhando um teclado rápido de informação de acesso a inúmeras redes sociais ou canais de notícia, sejam os potenciadores desta angústia acrescentada, que nos vai massacrando e não nos permite entregar ao acontecimento na dimensão do próprio acontecimento.
Estamos porque somos. Devemos estar porque somos capazes de acreditar no dia de amanhã, não ignorando as dificuldades porque passamos mas acreditando que somos capazes de refletir o tempo presente e encarar o futuro de uma forma diferente. Se os dias de hoje são difíceis devemos aprender e estar preparados para as ondas de choque deste terramoto que fez tremer e questionar a vida que levávamos. Tudo podíamos e todo o poder tínhamos que nos levasse ao infinito.
Acredito que estes tempos amargos nos possam trazer outro tempo em que as pessoas tenham lugar. Em que haja mais poesia, menos sagacidade da riqueza e do lucro, mais partilha e solidariedade, enfim uma sociedade mais justa e mais igual. Em que, aproveitando todos os avanços de uma tecnologia e ciência avançadas, possamos não esquecer que o mais importante mora ao nosso lado e faz parte do nosso quotidiano.
A VERDADE DAS COISAS SIMPLES
José António Contradanças
Economista e gestor