ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MÁRIO DURVAL, DELEGADO REGIONAL DE SAÚDE DA RLVT
Tem estado no centro do furacão. É o responsável de saúde pública da Região de Lisboa e Vale do Tejo, que inclui os ACES da península de Setúbal. Mário Durval não desdramatiza a situação, mas também não vai além do cenário que a doença nos está a impor. Afirma que “todos os primeiros casos registados na região foram importados, porque houve muita gente a viajar”, e garante que as autoridades de saúde estão a fazer tudo para travar a pandemia.
Tem havido algumas dúvidas sobre os números oficiais divulgados, há pelo menos discrepâncias. Encontra alguma razão para isso?
Os números têm duas origens, uma delas é através do Sistema de Notificação Obrigatória, uma plataforma nacional a que os médicos estão obrigados a responder na hora, havendo mesmo sanções para os profissionais que não o façam. É uma lista de algumas dezenas de doenças, a que agora se acrescentou esta da Covid-19. A outra é uma linha de apoio ao médico, admitindo-se que não esteja a funcionar logo de imediato. Daí poder haver algum hiato de informação, que considero não ser nada de substancial no momento que estamos a viver.
Podemos então confiar nos números da DGS?
Claro que sim. A haver alguma discrepância, como diz, não é relevante, sendo que esses casos fora do sistema, podem demorar algum tempo, mas acabarão por configurar as estatísticas reais.
Diga-me como está o seu nível de preocupação com a região de Setúbal, agora que entrámos na fase mais crítica, a da mitigação…
Preocupação máxima, embora não tenhamos a exata noção como a situação se irá desenvolver aqui, no nosso caso, porque estamos perante uma pandemia nova, com experiências muito diversas e estratégias diferentes em muitos países. O próprio vírus, como se sabe, tem revelado algumas modificações, com várias estirpes já apresentadas. E não há histórico suficiente para podermos aferir a evolução da pandemia. Espero, sinceramente, que no nosso caso, o trabalho que temos empreendido possa conter a dimensão mais extrema, para que não cheguemos a situações como se verificam noutros países.
Como em Espanha ou Itália?
Sim, são países mesmo aqui ao lado. Neste momento, é tudo uma incógnita. Tentamos controlar, há um trabalho enorme dos delegados de saúde, nomeadamente para forçar o isolamento social, mas não dominamos todas as variáveis desta pandemia, nem as suas consequências.
Esta fase crítica significa uma perda de controlo das cadeias de transmissão ativas. É isso…
Isso parece óbvio, porque já não dominamos a transmissão comunitária e, sobretudo, não dominamos as manhas do próprio vírus. Por isso, é difícil prever onde nos situamos no ataque à pandemia, mas tenho muita confiança no nosso trabalho, nomeadamente nos nossos profissionais na região. Não ponho a hipótese de atingirmos um estado de caos total, mas todos sabemos que vai ainda crescer mais e mais. Repare que nem podemos ainda ajuizar os efeitos da quarentena, são catorze dias, no mínimo, é precisar deixar que esse limite de tempo seja concluído.
Quais as zonas que mais o preocupam face ao que está assinalado?
Há alguns ACES com mais casos que outros, mas fundamentalmente podemos definir que as zonas mais urbanas, onde há maior concentração de pessoas, maior contato social, como é o caso Arco Ribeirinho, Barreiro, Montijo, Moita, nomeadamente. São concelhos onde existe uma grande acumulação de pessoas nos transportes públicos. E esse, por exemplo, é um fator que não ajuda na contenção do problema e, antes pelo contrário, contribui para o contágio rápido próprio desta pandemia.
Palmela parece estar na cauda dos números, ainda sem casos declarados… Tem alguma explicação?
Pode não ter agora, mas é natural que venha a ter. É um concelho mais rural e com uma população mais distribuída no seu território. Sesimbra, por exemplo, tem uma zona urbana, mas também uma forte zona rural, com exceção da Quinta do Conde. Aí, sim, podemos falar de uma zona populacional mais densa.
Está alguém a sistematizar os números, a percebê-los e a estudá-los?
Vamos ter que os estudar, a nível local, mas sobretudo a nível nacional, mas não temos grandes números que justifiquem esses estudos. Podiam verificar-se surtos num bairro, o que não acontece. Nem os números ocorridos em concelhos como Almada, Barreiro ou Setúbal, são, nesta fase, algo que justifique empreender estudos epidemiológicos segundo os cânones habituais.
Mas há cadeias de contacto identificadas, o vírus foi ‘importado’…
No início foi, todas as pandemias têm esse eixo de ligação, começam num sítio e extravasam se não forem contidos os surtos e as epidemias. Mas a coisa vai mudar, está a mudar, para uma transmissão comunitária, chega a todos, vai “democratizar-se”.
E porque é que, no nosso caso, a faixa etária mais afetada são pessoas de 40 anos?
Assemelha-se à nossa pirâmide etária, mais na idade intermédia, com os mais jovens e crianças a registarem muitos menos casos. Os mais idosos é um caso à parte, porque as taxas de incidência nesta faixa vai subir, por serem mais vulneráveis.
O que lhe posso dizer, é que o maior número de casos situa-se entre os 30 e os 50 anos, e isso muito se deveu às pessoas que viajaram pelo estrangeiro, em especial na época carnavalesca. Os primeiros focos surgiram daí. Todos os primeiros casos têm origem em pessoas que estiveram no exterior.