O direito à indignação

Pode este título parecer um pouco a despropósito num tempo em que as notícias continuam à volta do Coronavírus, com denominação mais recente de COVID-19. O certo é que, não parecendo haver relação com o dito assunto, acaba por ter ligação consequente numa altura em que se discutem medidas para enfrentar tempos difíceis, em termos do que serão os impactos socioeconómicos que por aí virão. Tempos esses que, se já são de grandes dificuldades muito maiores serão com o esperado tsunami, que atingirá fortemente a vida das empresas, das instituições públicas e privadas, com consequências ainda incalculáveis na vida das pessoas. Ao que se julga, podendo até significar, para o nosso país, uma redução do PIB que nos leve a níveis dos finais do século XX e um défice orçamental que andará à volta dos 10% do PIB.

Certo é que, em tempos de pandemia, a nossa vida levou uma volta terrível, havendo desregulação e alteração ao nosso modelo de desenvolvimento, tanta vezes mais preocupado com o crescimento económico e menos com o desenvolvimento sustentado, com as necessárias preocupações ambientais.

Bem, mas voltemos ao assunto que motivou esta crónica e detenhamo-nos no que me parece ser uma vergonha, que leva a esta minha reclamação de nos assistir o direito à indignação. Esta mesma que deve ter lugar no seguimento da atitude que vem sendo tomada pelos países da EU, principalmente da Holanda, em oposição à criação de um mecanismo financeiro de ajuda aos países mais necessitados, pelo confronto sem tréguas a esta pandemia consumidora de recursos públicos postos à disposição da sociedade em geral.

Por estes dias têm-se discutido essa necessidade de acudir às imensas dificuldades sentidas, principalmente pelos países mais atingidos pelo COVID-19 no seio da EU. Países esses a que se chama da europa do sul, onde se incluem a Espanha, Itália, França e Portugal. Alguns destes, mais concretamente Portugal, onde em tempos foi visto e dito por um holandês, na altura Presidente do Eurogrupo, ser um país que esbanjava dinheiro em bebida e mulheres. Pois bem, numa altura em que se fazem reuniões intermináveis para procurar consenso para a criação de um instrumento para ajuda financeira da EU, que consiste numa emissão obrigacionista denominada Coronabonds(Eurobondsou outro nome que lhe queiram dar), a Holanda tem mostrado oposição acérrima e mais uma vez, agora através do seu ministro das finanças, veio dar ares de superioridade, exigir uma fiscalização apertada à aplicação desses fundos, na desconfiança de sermos desgovernados e gastarmos à tripa forra.

Não me cabe agora discorrer sobre a Holanda, como país mais beneficiado pelos fundos europeus, nem sobre o que tem sido a sua prática através da história – de pendor essencialmente mercantilista, sempre se aproveitando da sua astúcia e habilidade para o engano – mas parece ter chegado o momento dos “tais” países do sul da EU fazerem valer o seu propósito e exigirem, de uma vez por todas, que haja uniformização fiscal na EU. E a este propósito, nunca é demais lembrar a prática da maioria das empresas cotadas no PSI 20 da Bolsa de Títulos de Lisboa, onde se incluem entre outras, empresas dos Grupos EDP, SONAE, GALP, ZON,BRISA e Jerónimo Martins, que estão registadas na Holanda.

Esteve bem o Primeiro-ministro de Portugal, António Costa, ao considerar como “repugnantes” as declarações do ministro das finanças holandês. Estarão bem os governos dos países do sul da europa em exigir que, a Holanda não beneficie de um regime fiscal especial que leve as empresas dos seus países aí terem a sua sede para pagarem menos impostos, em prejuízo dos países onde exercem atividade e geram os seus lucros. Estaremos bem todos nós em tornar consequente a nossa indignação, podendo preterir os produtos e/ou serviços prestados por essas empresas, que sendo portuguesas preferem sediar-se na Holanda beneficiando de um regime fiscal mais favorável.

A VERDADE DAS COISAS SIMPLES
José António Contradanças
Economista e gestor