Centrar os olhos numa página em branco, para a partir daí elaborar uma narrativa com sentido é, por estes dias, um dos desafios mais exigentes, tal o turbilhão de factos, imagens, anúncios, informações e contra-informações que nos rodeiam. Espanto e perplexidade, preenchem os dias de contenção, contingência, emergência, isolamento a que nos sentimos obrigados por normativos governamentais e por decisão consciente e de elevado sentido cívico. Olhos dentro chegam realidades próximas e distantes, que expressam a fragilidade humana, a incapacidade científica, o desnorteamento político, o horizonte que teima em impedir planificar o futuro próximo. Imaginar o depois de amanhã tornou-se longe, opaco e pouco percetível.
Por entre o emaranhado de catadupas noticiosas, apelando à sistemática atenção do público, em registos que oscilam entre o profissionalismo exemplar e a mais dramática e descabida prática jornalística, emerge um dos piores mecanismos de sempre: o rumor, o boato, o diz-que-disse, o ouvi-dizer, a estória falsamente construída, a orquestração da realidade, a intoxicação da opinião pública, a viralização do (um certo) fel social.
É neste terreno minado que todos nós, produtores e consumidores de informação, nos movemos, procurando distinguir o trigo do joio, o certo do errado, a verdade da falsidade, o bem e o mal. A tamanha dimensão desta tarefa, convoca saberes, radares, filtros e capacidades interpretativas que obrigam à convocação de novas literacias: vemos, ouvimos e lemos, e não podemos ignorar que a realidade circundante é feita de um cadinho muito especial, no qual se misturam deslumbramentos e, no seu oposto, a mais crítica e rigorosa das capacidades interpretativas.
Ver, ouvir, ler, implicam a presença sistemática de códigos que, a mais requintada tecnologia ousa mascarar. Ver com olhos de ver, ouvir com o mais apurado ouvido, ler da forma mais cética e atenta corresponde à trilogia de mecanismos para do mundo obter a fotografia e o relato mais fiéis. Dessa capacidade interpretativa terá de nascer a informação mais sólida, o relato mais fiel, o público mais esclarecido, a sociedade mais preparada. Contra o CoviDizer terá de haver a expressão de um tsunami que se ergue contra a mais vil das formas de informar, a construção maldosa, orientada para intoxicar e deturpar de forma mesquinha a autenticidade dos factos. Tal vírus coroado, que invisível, lento e calculista contamina sociedades sem fronteiras, às notícias falsas e à turbinada divulgação pelas redes sociais tem de se erguer o mais firme dos planos de contingência, o plano de emergência mais rigoroso. Em nome daquilo que o jornalismo representa – a verdade e nada mais do que a verdade!
PROVEDOR DO LEITOR
Ricardo Nunes
Professor