Uma janela de oportunidade para reinventar os cuidados às pessoas idosas dependentes

Há vinte anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) na presença de cenários que apontavam até 2050 o aumento da longevidade da população, considerou que um dos principais desafios para fazer face ao impacto do envelhecimento da população na sociedade, iria depender, em parte, da natureza das políticas que dariam resposta a esta nova realidade. 

Considerou-se um imperativo ético o desenvolvimento de políticas transversais e de estratégias de atuação multidisciplinares, flexíveis e de proximidade, que permitissem que todas as pessoas idosas pudessem desfrutar de uma vida ativa e saudável. Chegados a 18 de março de 2020, as políticas em matéria do envelhecimento ativo, compromissos assumidos por Portugal entre 2012 e 2017, no domínio da Estratégia e Plano de Ação Global para o Envelhecimento Saudável e da Solidariedade entre Gerações da OMS e com os valores e objetivos fundamentais da União Europeia, correm sérios riscos de cair por terra, com as medidas necessárias para reduzir os efeitos de contágio da pandemia do COVID-19.

Com a agudização das doenças mentais, acrescido do agravamento da dependência funcional e da quebra das atividades de manutenção e de reabilitação das pessoas idosas institucionalizadas, ao manterem-se os idosos em isolamento, por tempo indeterminado, não sendo discutidas e operacionalizadas medidas destinadas à melhoria do bem-estar físico e psíquico dos idosos, num ápice passaremos a ter Lares de Idosos idênticos aos asilos da década de 70.

Ao sentirmos “na pele” o impacto do confinamento das famílias, que as impede de visitar os familiares que estão em Lares de Idosos, e das medidas que estas organizações estão obrigadas a implementar, para garantir a segurança do principal grupo de risco do COVID-19, conclui-se ser urgente reinventar os cuidados a prestar às pessoas idosas.

Em paralelo à reinvenção da prestação de cuidados formais nos Lares de Idosos, o Pós-COVID-19 abre ainda uma janela de oportunidade para “ajustar” a seleção dos territórios para a implementação dos Projeto-piloto experimentais, enquadrados na recente legislação dos Cuidadores Informais. Tendo sido selecionados a nível nacional, antes do dia 18 de março, 30 concelhos que correspondiam a territórios que apresentavam maiores níveis de fragilidade social, não obstante suscitarem-se dúvidas sobre os critérios de seleção, perante o impacto da pandemia a curto e médio prazo, nos cuidados prestados pelas famílias às pessoas idosas dependentes, ao olharmos para as assimetrias do distrito de Setúbal, admite-se que para além dos dois concelhos selecionados (Grândola e Moita), existem territórios que ao serem englobados nos projetos-piloto experimentais, permitirão fortalecer a caraterização e a necessária robustez da amostra estatística da região de Setúbal.

Encontrando-se definido nos objetivos dos projetos-piloto experimentais do Estatuto dos Cuidadores Informais, a implementação de medidas de apoio aos cuidadores informais e às pessoas cuidadas, existindo alterações significativas na prestação dos cuidados de longa duração às pessoas idosas dependentes, tendo sido alteradas as condições de funcionamento dos serviços de saúde e da segurança social, poderá fazer sentido reavaliar os pressupostos que estiveram na seleção dos concelhos da região de Setúbal.

Sabendo-se que os cuidados informais produzem alterações no cuidador e na pessoa a cuidar, que se alteram as relações entre gerações, que a qualidade de vida e bem-estar da família e, entre outras transformações o equilíbrio entre a vida profissional, pessoal e familiar é afetado, existindo o objetivo político dos projetos-piloto avaliarem a adequabilidade e capacidade de resposta das medidas de apoio às necessidades reais dos cuidadores informais, o Pós-Covid-19 poderá constituir uma janela de oportunidade para cuidarmos de quem cuida e simultaneamente melhorarmos a qualidade vida das pessoas idosas dependentes.

O propósito de uma política pública futura pode ser completamente espezinhado por diferentes agendas políticas e institucionais incompatíveis ou contraditórias 

(Bilhim, J. 2016)

ATUALIDADE
Paulo G. Lourenço
Investigador social