Gosto de me sentir como um ‘filho’ do 25 de Abril, não porque não tive uma infância feliz, passada quase integralmente no período em que a nebulosa da ditadura imperava no país mas, sobretudo, pelo que a Revolução, em todas as suas nuances, representou para a minha geração.
Devemos muito, ou quase tudo, a esse punhado de homens, militares politicamente conscientes, abnegados e corajosos, que empreenderam o golpe militar, e souberam sempre (com alguns desvios que a História já quase julgou) guindar-se pela trilogia abrilista “democratizar, descolonizar e desenvolver”.
Passando por cima das polémicas pueris que acompanham os nossos dias a propósito das comemorações da Revolução dos Cravos, importa nunca esquecer esse punhado de homens que nos trouxeram a Liberdade e a Democracia, a par de conquistas como a igualdade de direitos e deveres para todos os portugueses, homens e mulheres, sem raças, sem credos, e sem olhar a extratos sociais.
Somos hoje o produto dessas conquistas e parte de uma sociedade que, apesar das vicissitudes, nos deve orgulhar enquanto país e como comunidade. Mesmo atendendo, com insipiências, ao notório desenvolvimento social, cultural e económico, que atingimos nestas últimas décadas.
Importa pouco julgar os que preferem criar barreiras ideológicas para justificar jogos políticos da atualidade. Os ideais de Abril constituem uma reserva ética que a todos deve fazer pensar, mais que não seja, pela comparação com outras revoluções sangrentas, que deixaram lastros perigosos e perniciosos para a Era Moderna.
Por isso é tão difícil hoje, em Portugal, mais que em muitos outros países da Europa, o reacendimento de populismos, radicalismos, extremismos, para usar grande parte da semântica do léxico português. Claro que há ainda laivos de algum racismo e xenofobia, mas em conta, peso e medida. Nada que ofusque a grandeza de um povo que sabe o que quer, com maturidade democrática e sentido de comunidade. Essa é a vantagem de sermos um Estado Nação dos mais antigos do mundo Ocidental, encostado geograficamente, mas aberto ao Mundo, quase sem complexos…
Por mim, importa pouco que Abril se comemore no Parlamento, ou fora dele, dentro de casa, às janelas, ou onde quer que seja. Farei o mesmo de sempre: Honrando a Revolução dos Cravos, não olvidando os que nos deram a liberdade e proporcionaram às gerações vindouras caminhos novos, cortando as amarras de um país “orgulhosamente só”, que se foi engolindo a si próprio, deixando um rasto de empobrecimento e de atraso secular.
Raul Tavares
Diretor