Nela se concentra o desejo de sintetizar a atualidade, apresentar o essencial, ilustrar com rostos e com vida, alinhar um espectro de coisas acontecidas, explicar os factos com rigor e seus impactos. Compor a narrativa jornalística, implica recorrer a um conjunto de competências profissionais feitas de técnica, formação, experiências múltiplas, sensibilidade, criatividade e visão do mundo. E assim, do todo de um homem, nasce a conceção de um cosmos complexo e multifacetado: do que está próximo, do que chega de longe, do cardápio informativo, dos protagonistas da ação, das notícias que, todos os dias, dão rosto às coisas que acontecem.
Essa narrativa assume uma aparente naturalidade, como se as notícias são o que são e assim mesmo se explicassem; como se a televisão e a rádio são o que são, e seja sempre expectável que alguém apresente a informação à hora certa; e como se os jornais são o que são e, previsivelmente, surjam no escaparate do quiosque, físico ou virtual.
A aparente naturalidade, obriga a uma forçosa e metódica desconstrução dos quês e porquês do modus faciendi jornalístico de forma a contrariar a ideia de que o jornalismo representa ou espelha a realidade. Operando um conjunto de códigos que permitem estruturar texto e imagem, os jornalistas dão sentido aos acontecimentos e, por isso mesmo, são construtores de narrativas. E assim, de espelhos e fiéis depositários dos acontecimentos, os obreiros da informação assumem-se como protagonistas na construção social da realidade.
A responsabilidade profissional é de grande significado e impacto, pois, em democracia, apenas a voz livre, sustentada na ética e na deontologia possibilitam que o jornalismo seja responsável pelo discurso esclarecido e independente, elo fundamental do nosso tecido social.
E esta malha é feita de pessoas, com rosto, com vida, com experiências muito diversificadas, daí que, ao académico conceito de narrativa jornalística, esteja associado um outro bem mais prosaico, o de estórias da atualidade. São elas que nos ajudam a compreender o mundo que nos rodeia, que dão corpo aos factos, que revelam da forma mais concreta o que nenhum gráfico ou quadro pode transmitir: alegria e satisfação, dor e sofrimento, alento e esperança.
Só repleto de notícias com rosto, pode o jornalismo criar um diálogo efetivo, estabelecer proximidades e relações empáticas. A este propósito, é sempre agradável descobrir ou recuperar a leitura de Jornalismo, questões, teorias e “estórias” de Nelson Traquina, um relato de cruzamento entre a atividade da tribo jornalística e a reflexão teórica que, no mesmo homem, traduzem um exemplar exercício entre as duas esferas profissionais. Um lugar a revisitar. Sempre.
Ricardo Nunes
Professor
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